Se você pudesse me ouvir,
queria dizer pouca coisa.
Não tenho mais ilusões,
mas saiba que não tenho pústulas no corpo,
nem minha boca vocifera impropérios.
Não sou repulsivo, nem repelente,
para ser abandonado ao meu destino.
Jamais conheci quem me gerou
e disso não me foi dada a escolha.
Você teve essa escolha,
mas me abandonou,
deixou-me à sorte de caminhos tortos.
Tive que escolher sozinho a minha estrada,
sem sua figura para me apoiar.
Nas noites que converso com a consciência,
sinto pena de mim por ainda aguardar,
que em minha vida floresça a imagem
de um pai, daquele que deveria me criar.
Sinto, às vezes, confusos meus sentimentos,
outras vezes até antagônico;
posso dizer frases em paradoxo,
negando a mim mesmo
retirando tudo que afirmei.
Só conheço sua imagem sumida,
de uma foto antiga que mamãe guardou,
depois de minha infância tão sofrida,
relutou muito mas a mim mostrou.
Também só sei por ouvir falar,
pelas palavras ditas pela minha mãe,
que diz que você não quis que eu nascesse,
queria obriga-la a me abortar.
Queria dizer somente que ainda existo,
sou aquele que você renegou,
miserável que jamais receberia em sua casa,
nem daria a conhecer que me gerou um dia.
Existe em mim uma cruel dicotomia,
uma parte de mim sofre por essa ausência;
outra parte olha as estrelas esperançosa,
de um dia poder haver um retorno feliz.