Poemas : 

ÚLTIMA LÀGRIMA

 
Brindo então a isto, a isso e àquilo…
Brindo ao primeiro beijo, porque nunca aconteceu um último;
Brindo à noite e à embriagues que nos apresentou a nudez,
a primeira lembras-te? Parecia tão certo…
Brindo ao amanhã ligo-te e ao conta-me quando deixares a magia fugir;
Nunca chegou a fugir, foi chegando devagarinho como quem quer ficar…
Brindo a mim e a ti, porque foi só o que importou naqueles breves momentos…
…entre o adormecer e o acordar;
Brindo às velas, às músicas e ao vinho que em demasia bebemos;
porventura deixámos;
aos segredos e às certezas, ao lugar e à hora marcada;
Ao café amargo de cada manhã, que nunca terminavas, como tudo na tua vida…
Brindo ao cabelo preso e aos perdidos pelo chão quando as mãos arranhavam…
Em que continuo a tropeçar;
Às fotos da nudez que permanecem gravadas na memória, nunca sairão…
A cada manjar e à fome de ti a que o jejum obrigava…
A cada mentira… as minhas e tuas… porque a mim menti também de cada vez que fingia acreditar…
Brindo a cada ida e cada regresso, quando em silêncio engolia em seco e forçava o sorriso triunfante de quem te possui…
Brindo à forma que deixaste na almofada, ao cheiro espalhado da ausência…
Brindo a cada noite em que me viro procurando teu corpo magro… continuo a procurar…
Brindo porque te vi a alma nua numa epifânia desgraçada de anjo caído… e gostei…
Brindo àquela lágrima que bebi… poção mágica da minha certeza;
Brindo então a ti e a mim, pelo que fomos e pelo que podíamos ter sido se o relógio não teimasse em enganar o tempo… os tais momentos…
Brindo ao fim da praia, às ondas que me encorajaste a abraçar;
Brindo ao até breve e ao amo-te que sustentam que podia bem ter sido verdade;
Brindo ao jogo perigoso que insistimos em praticar… uma e outra vez à nudez…
Brindo a cada sorriso com que te mostrei ao meu mundo… com que aprendi a gostar do teu…
Às fotos de quem nunca conheci… porventura reconheci…
Brindo uma vez mais à embriaguez que por ti abandonei…
Brindo aos planos que nunca disso passaram…
Brindo às manhãs em que falavas pelos cotovelos… sentia-te feliz… minha mulher…
Brindo a cada canto do sofá, à pressa em amar e até à falta dela…
Brindo a cada engano, fui eu quem deixou… fui eu quem quis…
Brindo a todas as coisas que descobri… tantas que esqueço por ti…
Brindo quando em surdina sussurro teu nome por engano em momentos alheios…
Quando fecho os olhos e recordo o teu sorriso a instruir-me na arte de percorrer teu corpo…
Brindo às línguas que faiscavam depressa demais, às mãos lentas que haviam perdido a pressa…
Brindo, é certo ao engano… mas acima de tudo ao desengano…
Brindo ao inicio porque nunca houve um fim…
Brindo aos segredos que escondo nesta casa… meus e teus…
Brindo às promessas ditas na pressa de quem quer acreditar, a cada sabor que só eu e tu conhecemos…
Brindo uma ultima vez ao até já, que sabemos pintado de nunca mais…
Brindo ao grito silencioso que irás arrancar da noite quando a tua alma de novo se revelar nua… e eu não estiver para a chamar pelo nome… que só eu conheço…
Brindo do princípio ao fim… e irei continuar a brindar para lá disso…
Brindo à tua e à minha lágrima…
…a que verto no exacto momento em que decido ser a última…
No exacto momento em que termino “este” brinde…
2009 MV

 
Autor
MiguelVeiga
 
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