Contos : 

MINI-CONTOS*

 
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Ausência

Segura seu rosto e a olha no fundo dos olhos, procura calor e um sinal de vida naquele olhar invernal, nada. Depois, ajuda-a levantar-se e fazer sua toalete, era domingo, folga da enfermeira. Dá-lhe o pequeno almoço e leva-a ( na cadeira de rodas ) para o jardim, hora do sol. As rosas vermelhas, que ela amava , pareciam sorrir com sua presença. Senta no banco onde ficavam de mãos dadas, olha-a com carinho. As feições não se alteram nunca, sente a alma chorar. Se entristece, por não poder trazê-la de volta para ele, sua mente vaga, perdida, nas sombras. Fecha os olhos para rever seu sorriso (na festa das bodas de ouro, antes da doença) quando ela ainda estava consigo e brindaram à felicidade... pela última vez.
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(Indig)nação

Saiu de madrugada com a filha doente no colo.
Pensou em pegar um táxi, mas o dinheiro mal dava para o coletivo que, pelo horário, demoraria muito. Foi a pé até o hospital mais próximo, quatro quilômetros.
Implorou ajuda, mas teve que esperar mais uma hora pra descobrir que não havia plantonista, não havia vaga. Depois outras horas, conseguiu uma ambulância que o levou até um outro hospital. Mas a historia se repetiu, dessa vez como falta de recursos dada a gravidade do problema. Ouviu a criança dizer que estava com medo, antes de desfalecer nos seus braços. Foram em mais dois outros hospitais, no último conseguiu atendimento... Tarde demais!
A notícia saiu na televisão.
Uma nação inteira indignada!
Por três minutos, até começarem os gols da rodada.

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Move on

Decidiu tomar uma bica revigorante.
Entrou, cumprimentou e, ao balcão, observava os outros clientes. Apenas mulheres. Sentadas, sozinhas, ou em pequenos grupos. Curiosamente, era um café quase exclusivamente frequentado por mulheres. O outro, ali bem perto, por homens. Coisas das aldeias?
Percorreu os rostos. Sombrios, tristes, cansados. Vozes descaídas. Família, doenças… talvez as vidas de uma ou outra vizinha que goste de fazer coisas diferentes. Seguramente, muitos apertos e solidões.
Pagou. À porta, o habitual “Até logo!”. Ninguém respondeu. Apeteceu-lhe voltar atrás e dizer àquelas mulheres: Parem as lamúrias e maledicências. Sorriam! Levantem-se, vão caminhar! Ouçam música, dancem, cantem! Exercitem a memória! Sejam felizes e façam os outros felizes, também.
Nada disse. Impor aquilo que apenas pode ser sentido de dentro para fora?
Saiu, sem olhar para trás.

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entre a terra e o céu, o teu perfil.

escurecia já, como quando partiste deste mesmo leito de erva-doce, depois do amor. rolei sobre mim, abri os olhos e regressaste ao meu lado, deitada de costas, entre a terra e o céu: nos teus lábios, ainda o fogo do sol-por. os teus seios, duas colinas, a mais próxima deixando vislumbrar uma ermida, mamilo erecto. o teu ventre, um vale fecundo, ao descer das minhas pálpebras. nas origens das tuas pernas, num horizonte a sul, um tufo de alfazema...
e as tuas mãos nos sentidos das minhas, percorrendo-me a pele anoitecida.
voltei a fechar os olhos: continuavas lá. entreguei-me à terra e deixei que a brisa me lambesse os restos de suor.

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Cachorro no varal

Naquele momento tudo parecia se encaixar, havia preconceito na sala de aula e ponto. Ainda ontem o menino era marrom e pronto! A temática do dia era “os adoráveis bichinhos de estimação” e a personagem principal a “autora do menino marrom” que tomada de entusiasmo repetia com atropelos uma única frase:- “meu cachorro peto fede, ele não gosta de tomar banho”. Aquela pareceu- lhe a hora perfeita para a intervenção e quem ouvisse a mediadora em sua bela explicação sobre o “odor peculiar de todos os animais” aplaudiria, se não fosse, é claro, a intervenção da “aluna coadjuvante” que abriu caminho para novas possibilidades: Lilica, Sansão, Cristal e uma lista segmentada de nomeação aos pets. Uma fonoaudióloga urgente! O cachorro preto da menina era simplesmente o Fred!

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LEMBRAS-TE?

Lembras-te quando me puxavas pelo braço e soletravas o meu nome? Como era bom deixar que me conduzisses! Eu ía de olhos bem fechados sem saber para onde me levavas...
Lembras-te quando ao final de cada dia mergulhávamos nas águas transparentes da lagoa? Lembras-te como ríamos por coisas insignificantes e como nos
sabia bem jantar à luz do petromax, pão saloio e sopa de feijão? Como era
bom dormir bem aconchegada a ti, nas noites geladas de Agosto e acordar às 6h da manhã porque o calor já era insuportável dentro da tenda? Lembras-te...? Sabes, a velha
casa do guarda ainda lá está! O mesmo cenário permanece! Só nós, deixamos que o tempo, implacável, tornasse tudo numa memória!...

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Ênio

Sentado na guia meditava. Só ele não crescera, acometido por deficiência. Eram 108 centímetros com proporções corporais normais. Desde criança diziam que fora devido a síndrome pós nascimento. Traumatismo craniano aos três meses de vida. Escapuliu da banheirinha, aterrissou de cabeça no ladrilho.
Meditava quando ele apareceu. Zeus! Elegante e imponente, o “deutsche dogge“, famoso no bairro, mais de 110 centímetros.
Apavorado, encolheu-se, escondendo a cabeça entre os joelhos. Não se atrevia a enfrentar.
Mais perto, o dinamarquês cheirou Ênio encolhido. Sem maiores cerimônias, usou-o como poste. Depois do banho, Ênio levantou-se, exaltado. Disposto a enfrentar seu desafeto, ficou cara a cara. Zeus rosnou alguma coisa, afastando-se dois passos. Aproveitou-se. Uma cabeçada, um chute no joelho fez com que saísse ganindo.
Exultante, comemorou: “ Viu papudo?”
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Bolsa Família

Foi assim que encontrei a Tônia; engatinhava de joelhos revirando pó de sertão. Perguntei o que ela estava fazendo ali e, agoniada, revelou o acontecido:
- Ô dotô Inácio, recebi de presente uma bolsa carregada de comida pra toda família, mas ela ‘tava’ bem levinha que desconfio que Joãozinho, Tonico, Constancia, Josenildo, ‘num vai’ criar corpo de criança sadia. Essa ‘tar’ de bolsa tem ‘arças’ ‘fraquinha’ e arrebentou no caminho! Já ajuntei a bóia, mas tá fartando a coisa preciosa que disseram, tava junto. ‘Percuro... Percuro’, ‘num’ sei por onde caiu.
Cocei a cabeça intrigado, pois estava vazio em redor. Novamente perguntei:
- Que troço de preciosidade é essa Tônia? – que ela logo responde:
- É a ‘tar’ da cidadania seo Inácio... A ‘tar’ da cidadania...
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Contato

Estava passeando a noite, quando de repente vi no céu estrelado, algo tipo um cometa, vindo em minha direção, em altíssima velocidade, tentei correr, mas as pernas não obedeceram, estava apavorado, então ouvi uma forte explosão, acordei assustado. Parecia tão real, mas fora um sonho, no entanto fiquei com a forte impressão, que o barulho havia de fato, ocorrido dentro do quarto, onde dormia, acendi a luz, olhei, olhei, não vendo nada anormal, voltei a dormir. Pela manhã, a surpresa, o copo cheio de água, que havia deixado sobre a televisão, estava pela metade, pois ele havia sido transpassado por algo esférico, deixando orifícios de entrada e saída perfeitos, como se fosse sido fabricado assim, mostrei o copo a muitas pessoas, mas ninguém acreditou nesta versão.

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O homem do retrato

O homem sorriu-me e acenou-me com um breve levantar de mão tocando a aba do chapéu em sinal de um cumprimento cordial e respeitoso. Retribui com um leve esboço de sorriso meio atabalhoado pela surpresa. Aquele era o mesmo rosto, com o mesmo sorriso, que eu reconheci imediatamente dos retratos enclausurados nas molduras engalanadas, sobre os naperons de renda em cima da cómoda do quarto. Não havia dúvida de era o meu pai em novo e não me tinha reconhecido... Algo estava errado ali!
Fiquei imóvel enquanto o observava a desaparecer ao fundo, dobrando a esquina da rua.
Petrifiquei de gelo ao perceber que eu é que estava num tempo errado. Que não pertencia ali por não existir ainda...
Dei um salto e acordei estremunhada.

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REVANCHE

...Em fila indiana sob o causticante sol do árido sertão, seguiam; quando próximos do ponto mapeado; um sambaqui centrado num pequeno areal, o chão se abriu em fenda, e num vácuo, precipitaram-se todos.
No úmido fundo do precipício; luz difusa e tênue, filtrada através da nesga no topo da nave central. Pisavam sobre; fragmentos ósseos, peles, pelos, cabelos, carnes pútridas, restos de vestimentas e ferramentas de geólogos e paleontólogos.
Vindo do ocaso, um vento encanado, frio e persistente, que congelava os gotejamentos nas pontas das estalactites. Lívidos, viram a besta aproximar-se, sentar-se numa pequena lápide e acotovelar-se numa ara negra, com as garras sob o protuberante queixo. Num gesto, convidou a sentarem, e pela una vez rosnou num hálito enxofrado: - Vocês estão mortos; - mal vindos ao inferno!”

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SOLIDÃO INEBRIADA.

Chegou de sua maquinal rotina, sentou-se ao abraço de seu ordinário sofá.
Viu através da escuridão da noite, um meio de saída do seu particular universo de confinamento.

Nos raios de uma estrela cadente, viu quão fútil a idealização de sua vida.Banhou-se, na tentativa da água levar pelo ralo abaixo seus obscuros sentimentos.
De súbito, vestiu-se num ‘pretinho básico’ pintou os lábios de carmesim, perfumou-se de feromônios avant l’amour, pour femme.

Caiu na libertinagem da noite, nos bares experimentou absinto, nas boates temáticas desvairadamente dançou,beijou bocas sem nomes, inebriou-se ...

[Nauseou-se de sua correta \"pseudo\" moralidade.]

Olhou nos raios da manhã, sua insana/sensatez. Saiu da noite solidão, a seguir sua vida, em seu carro vermelho automático.
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* No âmbito do VI Evento Luso-Poemas

http://www.luso-poemas.net/modules/sm ... tion/item.php?itemid=2963

foram recebidos doze mini-contos, todos elegíveis, com 130 palavras ou menos.

Como prometido, aqui se publicam, para leitura e opiniões livres. A classificação, obtida de júri convidado, será publicada, Sábado, dia 20 de Abril.

Obrigado a todos, concorrentes, jurados e leitores.


E L-P
 
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Eventos Luso-Poemas
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 15/04/2013 17:37  Atualizado: 15/04/2013 17:37
 Re: MINI-CONTOS*
Todos trabalhos , mini-contos , muito bons.

Meus parabéns aos autores!

Gostei muito!

Enviado por Tópico
RoqueSilveira
Publicado: 15/04/2013 18:19  Atualizado: 15/04/2013 18:19
Membro de honra
Usuário desde: 31/03/2008
Localidade: Braga
Mensagens: 8112
 Re: MINI-CONTOS*
Não tive a coragem de participar, só por isso sinto que todos merecem os parabéns; no entanto, para mim, o melhor é sem dúvida "entre a terra e o céu, o teu perfil" onde tudo aponta o êxtase de um amor com cheiro, cor, formas, horizontes num dizer doce nas palavras e ainda mais doce no que fica por dizer.
Também gostei bastante do "Indig(nação) pena ter alguns erros de digitação ortográfica não corrigidos.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 15/04/2013 18:35  Atualizado: 15/04/2013 18:35
 Re: MINI-CONTOS*
gostei de 'SOLIDÃO INEBRIADA', ao meu olhar, escrita duma forma inédita de suspense leve, quando vestiu do véu da boemia pra se esconder da solidão do corpo e da própria alma.

Enviado por Tópico
Jmattos
Publicado: 15/04/2013 19:29  Atualizado: 16/04/2013 01:49
Usuário desde: 03/09/2012
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Mensagens: 18165
 Re: MINI-CONTOS*
Poetas Candidatos!
Não estou participando do concurso e desconheço os autores de cada mini-conto!
Todos provaram que são talentosos! Estão todos de parabéns!
O meu eleito foi entre a terra e o céu, o teu perfil! Achei maravilhoso desde a escolha do título! Perfeito! Beijos!
Janna

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 15/04/2013 21:29  Atualizado: 15/04/2013 21:29
 Re: MINI-CONTOS*
Parabéns aos autores participantes, li todos mas " O homem do retrato" tá fantástico e muito, mas muito original, coincidência, ou não, quem vai saber...se verdadeiro ou inventado, que importa, "tá um must".
Abraços
Luzia

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 15/04/2013 23:00  Atualizado: 15/04/2013 23:00
 Re: MINI-CONTOS*
numa segunda leitura nota-se entre os mini-contos; prosas e poema.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 16/04/2013 15:20  Atualizado: 16/04/2013 15:20
 Re: MINI-CONTOS*
Guardadas as devidas características de conto/mini-conto, crônica e prosa-poética, podemos encontrar as três vertentes entre os textos do concurso. Os mini-contos devem conter elementos característicos do conto tais como: personagens, narrador, foco narrativo, e um desfecho minimamente inusitado. Foi com essa perspectiva que lí algumas vezes os textos apresentados. Os melhores, para mim, e que atentaram à isso, foram "Ênio" e "Bolsa Família", além do "Solidão inebriada".
Para além disso, acho que a maioria dos textos tem uma qualidade muito boa, e isso é o bastante para ficarmos felizes, pois é um evento do luso, e diz respeito a quem aqui quer aprender da experiência da escrita, e da experiência como leitor.

Parabéns à todos que participaram. Da próxima vou tentar, pois ainda estou exercitando a "crônica", e ainda não arrisquei o terreno dos contos. E como todos sabem, minha vertente é poética, embora, como todo escritor, sonhe desbravar outros caminhos até o romance.

Abraços,

Sandra.

Enviado por Tópico
Eventos Luso-Poemas
Publicado: 17/04/2013 12:07  Atualizado: 17/04/2013 12:07
Eventos
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 Re: MINI-CONTOS*
Para quem esta publicação passou ao lado, aqui estão as doze valiosas participações, para leitura e apreciação crítica, a nível de comentário aberto - o concurso segue agora a fase das votações, como já se sabe atribuídas por um júri convidado.

E L-P

Enviado por Tópico
Luisa Zacarias
Publicado: 22/04/2013 18:40  Atualizado: 22/04/2013 18:42
Colaborador
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 Re: MINI-CONTOS*/ Para Todos os participantes
Não que me tenha passado ao lado este invento,
mas, por motivos pessoais que não me deixaram participar
fico feliz pelos que tiveram a coragem e a ausadia de mostrarem seus talentos
nestes "Mini Contos".
Aos vencedores Premiados os meus parabéns e aos "menos" vencidos já que mostraram a sua honra e capacidade de participarem também os meus humildes parabéns pela força de erguerem a bandeira do LUSO POEMAS.
Sem vocês não haveria esta forma de inventos.
O meu agradecimento e carinho por todos vós.
Beijos poéticos
Quem sabe, ficará para uma próxima.

Luisa Zacarias