Certa manha, rei acordou meio enjoado. Seu valete insistiu para que fosse chamado o médico real, mas ele declinou. No meio do aposento real, abriu os braços para receber o robe de chambre, confeccionado na mais pura seda que se vira no reino. Nesse momento, os lacaios da alcova a trouxeram o desjejum real, que foi avidamente sorvido pelo rei, agora já esquecido do repentino mal estar que o acometera um pouco antes.
Satisfeita a fome e sanada a gula, foi vestido pelo valete e saiu para uma volta matinal. Percorreu algumas ruas até que parou diante de um pavilhão onde ocorria uma mostra de arte. Nesse local estavam expostas as mais preciosas obras de arte de todo o reino. De repente, sentiu que os reais intestinos se contorciam, talvez a concretização do prenúncio que tivera pela manhã. Premido pela necessidade, dispensou o valete e correu para um banheiro existente nas proximidades.
Cerca de meia hora depois saiu a Augusta Majestade aliviada. O lacaio do pavilhão nunca estivera tão perto do soberano como naquele dia. Ao dirigir-se ao banheiro para fechar a porta, premido pela curiosidade entrou no recinto. Ao ver o que continha o vaso plebeu, não se conteve e gritou:
- O rei defecou!!!!!
Imediatamente soaram as trombetas reais. Os arautos anunciaram aos quatro ventos:
- O rei defecou num banheiro plebeu! O rei defecou. Sua Majestade hoje nos honrou com um troço no pavilhão real de belas artes.
A noticia se espalhou rapidamente como rastilho de pólvora queimando, iniciando o corre-corre. Todos queriam ver o troço real. Formou-se uma fila defronte ao banheiro e foi iniciada a visitação. Cada um dos súditos que apreciava o Augusto Troço soltava um “Oh” enlevado.
Os elogios corriam à solta.
- Nunca vi um troço com essa qualidade! Nenhuma outra obra de arte desse pavilhão se compara!
- É uma obra prima!
- Que bom que fomos brindados com essa dádiva!
Os membros do Corpo Real de Engenheiros elogiavam a simetria e a consistência do material. Os médicos reais falavam de suas expectativas sobre as propriedades curativas. Eram só elogios. Um artista plástico chamou a atenção sobre o formato do troço:
- Vejam! O troço real tem formado de “V”. Quanta arte e maestria não foram necessárias ao Real Ânus para assim obrar?
Os astrólogos reais logo viram naquilo um sinal alvissareiro. O soberano e o reino estavam predestinados a vitórias.
O povo deslumbrado com tal presente estava feliz. Esquecidas as agruras, formou-se uma fila para que todos pudessem apreciar aquela obra de arte com que foram presenteados.
No final da tarde ainda havia uma fila. Por ali chegou um peregrino, vindo de terras distantes. Fora alimentado por almas piedosas, mas a comida não lhe fizera bem e estava necessitado de um banheiro. Perguntou a populares e foi informado da existência de um banheiro no pavilhão. Antes que fosse posto a par do Augusto presente saiu correndo. Ao chegar ao banheiro, estacou de repente. Um pouco desapontado e algo desesperado, tomou seu lugar no final da fila.
Esperou pacientemente intermináveis minutos que lhe pareceram horas. Já angustiado viu passar a primeira hora que pensou ter sido um dia. Dava pulos. Apertava as pernas. Com as mãos no ventre, contorcia-se.
Finalmente chegou a sua vez. Adentrou rapidamente sem nem fechar a porta. Não havia tempo para isso. De imediato sentiu o odor repugnante. Já perto do vaso, viu o conteúdo.
Mas que povo mais atrasado e sem higiene, pensou. Como pode alguém fazer essa merda fedida. Já em voz alta, exclamou:
- Nunca vi nada igual em todas as terras que percorri nestes anos de peregrinação.
Sem pestanejar, apertou a descarga e mandou pelo esgoto abaixo o troço real.
Foi enforcado logo em seguida por crime de lesa majestade. Antes que o carrasco descerrasse a trava do alçapão do patíbulo teve que ouvir uma ladainha sobre a sua ignorância.
" ...descrevo sem fazer desfeita,
meu sofrer e meus amores
não preciso de receita
muito menos prescritores."