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aqui não se gosta de poesia

 
aqui não se gosta de poesia. não se vive poesia, não são amados os poemas. fazemo-los por distração, por passatempo, por mera forma de terapia. exaltamo-la oca, papagaiana de nós próprios.

o que vive-se hoje é a poesia corriqueira, pedinchona, cheia de adjetivos, diminutivos, belas e burras palavras que, coitadas, sem culpa, são empregadas em poemas com assim qualquer falta de vícios, de sustos, de vida, de espanto.

poesia corriqueira, diga-se de passagem, difere e muito dos fléche-poemas, poemas-relâmpago, muito comuns na obra do leminski, de josé paulo paes ou das quadras populares de antónio aleixo, por exemplo.

poesia corriqueira, digo eu, é aquela que não nos move, não nos emociona, não nos leva a pensar ou a exclamar um palavrão, no meu caso. não demonstram exercício, desenvolvimento da musculatura poética.

essa veia não é alimentada apenas pelos poetas de sábado e domingo, não. vejo poetas que se dedicam a dedilhar, letra após letra, dez, vinte, trinta poemas, sem perderem aquele ar lãzudo, publicitário.

não vejo quem dê o sangue à poesia. aliás, vejo-os, cada vez mais assim calmos, assim tristes, assim magros; vejo-os largados nas esquinas do esquecimento, perdidos na embriaguez dos poetas de sangue latino.

aqui não se gosta de poesia. nossas barrigas estão cheias de letras de macarrão em rebuliço, fazendo poema concreto, com o perdão da palavra.

cadê aquele poeta que prefere escorregar nos becos lamacentos, redemoinhar aos ventos, como farrapos, arrastar os pés sangrentos, a ir por aí? cadê aquela poeta que põe seu sonho num navio, o navio em cima do mar e, depois, abre o mar com as mãos pro seu sonho naufragar? cadê aquela poeta que é reverso de sua própria placidez, escudo e crueldade a cada gesto; tão simultânea, madura, adolescente? e aquele outro, que mal rabisca, não dá pra mudar nada, já é um clássico?

esses poetas aí morreram. caberia a nós cavar nosso próprio buraco atrás dos cágados, nem que parássemos na china. caberia a nós criar, recriar, moldar, moer a cana da palavra, catar os feijões, debulhar a palavra, escarnecê-la, cuspi-la.

eu quero mesmo é tentar arrancar a palavra da pedra. tão funda palavra, tão funda, que se eu conseguir por acaso removê-la, serei coroado rei da inglaterra.

mas não. aqui não se gosta de poesia e nós somos todos uns castrados.



alguns anos de solidão - blogue

"ah, meu deus do céu, vá ser sério assim no inferno!"
- Tom Zé



referências:

"poeta castrado, não", de ary dos santos

paulo leminski

josé paulo paes

antónio aleixo

"cântico negro", de josé régio

hilda hilst

cecília meireles

"a bela e a fera", de chico buarque e edu lobo

 
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Caio
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 27/03/2013 13:22  Atualizado: 27/03/2013 13:27
 Re: aqui não se gosta de poesia
"aqui não se gosta de poesia. não se vive poesia, não são amados os poemas. fazemo-los por distração, por passatempo, por mera forma de terapia. exaltamo-la oca, papagaiana de nós próprios...."

detesto estas afirmações de último ato, como se com a cabeça na quilhotina. até entendo esta necessidade excêntrica e particular dum mergulho underground, (vale como texto desabafo) (vale como anúncio dum ponto de vista sobre;) (vale pela vontade, pela vontade, pela vontade...)
no histórico; assim foi, é e será, de nem todos escolherem caminhos tortuosos, de arrancar cascas de feridas e cravar o dedo, beber o pus, amputar membros entre gritos e risos, ir por atalhos espinhosos para o prazer de se ter(estar) em poesia.

dizer que; "...aqui não se gosta de poesia e nós somos todos uns castrados." é panfletagem inútil, um convite ao suicídio que não atrai ninguém, ou poucos.

sinceramente; chega até ser chato tanto desbastamento do livre arbítrio de...

meu abraço caRIOca.




Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 27/03/2013 14:49  Atualizado: 27/03/2013 14:51
 Re: aqui não se gosta de poesia
Deves te preocupar mesmo com esse teu niilismo, que deve ser dolorido... missão bruta, buscar respostas.

Mas, se pesquisares na história da poesia, os melhores e gloriosos, foram ignorados e não reconhecidos no seu tempo( nasceram póstumos)pois não satisfaziam o gosto e desejo dos contemporâneos ( transgrediam, etc...), só os leitores do futuro os entenderam e reconheceram como 'grandes poetas'... a pobreza está na idéia /convicção de cada um, que idealiza a poesia e a literatura e não acompanha a transformação e evolução das mesmas... o mundo e a poesia nestes tempos globalizados sofrem transformações bem mais velozes do que no passado , então acontece as decepções, que serão tb fugazes... tudo se transforma , é devir (permanente).


Aristóteles até acertou na sua Poética ( filósofo do século IVaC , foi aluno de Platão) ao análisar a poesia: dizia que era imitação ( representação de algo ocorrido ou por ocorrer).

“Os poetas imitam homens melhores, piores ou semelhantes a nós. Sófocles e Homero, ambos imitavam pessoas de caráter elevado
Duas causas e ambas naturais geraram as poesias. Sendo a imitação própria da natureza humana. Depois da experiência vivenciada— os deleites das imagens dos sentidos – o homem repete e imita tudo isso...

A poesia toma diferente forma de acordo com as particularidades de cada um (dos poetas). Os do mais alto ânimo, caráter, imitam. (falam e sentem) as ações nobres e dos mais nobres personagens. E os de mais baixa inclinações se voltam para as ações ignóbeis, compondo, estes, vitupérios e aqueles hinos e encômios.”


Parece que continua assim, não achas? A poesia só repete o homem em constante transformação...



Um abraço, Caio


Enviado por Tópico
Mademoiselle Taty_Ana
Publicado: 30/03/2013 10:05  Atualizado: 30/03/2013 10:05
Muito Participativo
Usuário desde: 08/02/2013
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 Re: aqui não se gosta de poesia
Ainda que a fogueira não floresça, nem haja fruto na vida, o produto da oliveira minta e os campos não produzam mantimento, as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco e nos currais não haja gado,todavia eu me alegro no Senhor exulto no Deus da minha salvação...
Habacuque 3:17-18

O mundo grande e impaciente, que se espalha a tua frente
Não consegues abraça-lo nem com os olhos nem com a mente.
Mas lembra-te que o amor pode caber em tudo e em flores
E que as agressões pertençam só aos agressores.
Esquece os medos que não te deixam seguir
E move o momento, buscando evoluir.

Agora vou te mostrar
Como brilha o amor
Do meu sol interior
Como brilha a liberdade
Quando sabe a verdade.
Espalha comigo o amor que lideres.
Onde poderes e quando poderes.

Em favor da paz e luz em ti e ao teu redor
Sugue as propostas da razão ditadas pelo amor
Deixe-te livre passando por renovação
Evita o ódio que faz veneno no teu coração.
Esquece os medos que não te deixam seguir
E move o momento, buscando evoluir.


Enviado por Tópico
Soaroir
Publicado: 30/04/2013 13:35  Atualizado: 30/04/2013 13:35
Participativo
Usuário desde: 21/12/2006
Localidade: SP
Mensagens: 46
 Re: aqui não se gosta de poesia
Depois de suas dicas no meu texto venho conhecer o seu.

Titulo excelente como provocação, mas não faz jus ao excelente texto que grita a realidade da poesia. No entanto, tudo é poesia – já “poeta”...

"No hay un oficio de poeta. Existe una labor oscura y persistente de minero... La triste ocupación de unos hombres que cavan y perforan túneles y zanjas en las entrañas de la noche. !Todo pasa en las sombras!" León Filipe


Enviado por Tópico
fotograma
Publicado: 30/04/2013 15:39  Atualizado: 30/04/2013 15:39
Colaborador
Usuário desde: 16/10/2012
Localidade:
Mensagens: 1473
 Re: aqui não se gosta de poesia
Caio, são estereótipos. O poeta chorumelas, o poeta concreto e cartesiano, o meta-poeta, etc. inclusive o poeta pinguço e filho da puta.

Há-de se dar menos atenção à papéis do que ao que embrulham.