No meio da noite, o barulho saído dos quintos dos infernos .A bola de fogo caiu do céu,bateu na Pedra da Sapucaia e dividiu-se em muitas , muitas outras bolas menores.
Raimundo , no terreiro a fumar um cigarro e assuntar do tempo, correu para dentro de
casa e chamou a família .Que estrondo ! Medonho e bonito de uma vez só . Era um avião e dos grandes . A vizinhança toda corria para ver de perto o desmantelo .
O velho Clarindo , fraco do juízo , ajoelhou-se na frente de casa e jurava ter visto o carro do profeta Elias , voltando para purificar pelo fogo, o mundo de suas ruindades . Mas que era um avião , era sim , ou melhor, tinha sido . Agora , eram fogueiras muitas e tiros muitos fortes , de vez em quando . O clarão do fogo iluminava cadeiras e um e outro pedaço de gente , aqui e acolá : sem tirar nem por, o trem fantasma, da festa da Padroeira . Só que de verdade e de muito . As pessoas agavam em meio aos destroços e o fogo ia diminuindo , junto com o medo . Raimundo sentia a cabeça zunir
qual um pião . O corpo não fazia mais o que o juízo mandava . A boca , um barreiro seco onde a língua havia se perdido . Mas era a curiosidade quem comandava tudo .Ia em frente , ás vezes hesitava enquanto os outros já começavam a pegar malas e sacolas ainda quentes , do meio daquele inferno . Tropeçou numa caixa de metal e esborrachou-se no xerém de pedras da ribanceira . Ergueu-se , pegou a caixa quadrada e ainda morna.
Parecia coisa preciosa , só vira uma daquelas no meio dos destroços.Olhou em torno, escondeu a caixa sob o casaco e tomou o caminho de casa . A lua denunciava os vizinhos, cada um com o seu butim : relógios , malas, roupas , sapatos .Passavam uns pelos outros, nada parecia ter acontecido .Achado não é roubado ... não é ? Entrou em casa , fechou a porta e as janelas.Chamou Mocinha e os meninos.Começou a abrir a lata com a ponta da peixeira. Naquela madrugada, Raimundo comeu abacaxi em calda pela
primeira vez ,na sua vida.
andrealbuquerque