Inocento as minhas mãos. Invento gestos. Golpeio convenções. Antecipo decisões Quero chegar ao cume… Acender o lume E descer a vereda num sopro. Sopra sobre mim, dá-me o trilho… Golpe de asa no sequeiro.
Inocento a vida. Piso um milho que suga um canavial. Debruço-me nas tábuas silenciosas, O arrabalde enxota um pombo num corte de asas. Vou a caminho, Se chegar tarde tarda o destino. Chegará a tua vez… Chega a todos, Quero chegar ao cimo da rampa. Não! Não preciso de campa, E de bichinhos da seda, Acendam o lume! Golpe de asa no sequeiro
Inocento a minha fala. De que falo? Falo de sofrimento? Fala comigo! Faz um gesto. Falo! Golpe de asa no sequeiro
Inocento a sorte. Que sorte? Estou descalço… Descalço os pés e coloco as botas das léguas cardadas… Pesadas tréguas. Falsas pistas, Às riscas, no veludo, É Entrudo e sambo! Não! Não sei sambar! Danço tudo… Danço nas letras! Basta um toque do moscardo e irei ao fundo. A orquestra toca, Na toca me afundo. Do fundo me ergo, tudo confundo, Volto ao colete-de-forças que me não dá tréguas. Golpe de asa no sequeiro
Inocento a pressa. Não me empurres! Desata o atilho e solta o rouxinol … Golpe de asa no sequeiro
Inocento a ventura. Deram-me uma haste e um pano amarelo Fiz mastro e uma vela. Não sei velejar! Tropeço num novelo, Estatelo-me ao vento. Arrumo as botas num vão-de-escadas Escadas não são. Que sorte: uma tábua de salvação. Golpe de asa no sequeiro
Inocento o engano! Troco uma besta Por dois cavalos a motor. Trago um guindaste preso a uma retroescavadora. Que faço com a cenoura? Que faço com a dor? Estendo o pano e solto a alma… Golpe de asa no sequeiro
Inocento o meu coração. Na escada, que me leva ao azul sereno, ato um laço! Deixa que te toque no peito. Abraço-te! Sinto o pulsar de uma cerejeira… Golpe de asa no sequeiro
Inocento a esperança. Entrego ao destino tudo o que me cansa. Que me cansa? A falta de esperança? Este viver desesperado, Na ponta de uma navalha afiada. Estou em brasa no cativeiro Acerto o passo nas limitações… Não! Nas figueiras também crescem figos secos e ovos-moles; Os gaiatos brincam com estrelas; O sol brilha; A chuva molha; A noite apadrinha os beijos; O vento sopra e dança O luar distende os versos Com versos de esperança.
Secam as lágrimas no estendal Já partiu o aguaceiro… Golpe de asa no sequeiro…
27-10-2011 00:08:08 (Registado no Ministério da Cultura - Inspecção-Geral das Actividades Culturais I.G.A.C. – Processo n.º 2079/09)
Rogério Martins Simões
Este poema fala da minha dor de Parkinson, da minha vida.