“Veja, ilustre passageiro, esse belo tipo, faceiro,
que o senhor tem ao seu lado.
No entanto, acredite,
quase morreu de bronquite...
Salvou-o o Rhum Creosotado”
Esse era apenas um dos versos estampados no
interior do bonde, em uma faixa longitudinal à direita e outra à esquerda, destinadas à propaganda, que, à época, se diziam: “Reclames”.
Fotos impressas nos anúncios, nem pensar. Seriam caríssimas, então, os artistas da publicidade, desenhavam tipos humanos, alguns baseados em astros ou estrelas do cinema, outros em pessoas comuns, do povo, para ilustrar os “folders”, que, à época, eram simplesmente “cartazes”.
Eram propagandas de remédios, de cremes faciais, de revistas, de lojas, de “electrodomésticos”... Um mundo delicioso, que eu, garoto, ficava olhando deslumbrado.
Múltiplas cores, palavras bonitas, desenhos interessantes... Aquilo tudo ia ficando gravado...
Era o final da década de 1950, e eu, morando no bairro da Penha, em São Paulo, amava viajar de bonde para o centro da cidade (E era uma viagem, mesmo, de tão demorada), principalmente porque o meu tio Antonio, irmão de mamãe, era “motorneiro”, ou seja; conduzia o bonde, e, quando o encontrávamos, eu ficava ao seu lado, olhando o trânsito, os trilhos do bonde à nossa frente. Eu ia o caminho quase todo, pisando no botão da campainha, um pequeno botão no piso que o motorneiro usava para alertar os veículos ou pessoas que pudessem estar no caminho.
Blim Blim Blim Blim...
E lá ia eu, Blim Blim Blim Blim...
Pisando o botão da campainha... Blim Blim Blim Blim...
O amado Tio Antonio, todo sorridente, ia me explicando algumas coisas do bonde, me contando histórias maravilhosas.
Eu me sentia importantíssimo.
No Braz, passávamos frente à PIRANI, uma loja de departamentos enorme, que, infelizmente, anos após, veio a falir. Era linda de se ver. Vitrinas infindáveis, todas decoradas, cada uma com mercadorias diferentes. Luzes, cores, coisas deslumbrantes pro olhar infantil, pessoas andando para todos os lados.
Quando o bonde chegava à Praça Clóvis Bevilacqua, descíamos para fazer o que fora programado.
Lá eu amava ver os carrinhos de frutas, verdadeiras barracas ambulantes, cheios de maçãs, à época, importadas, todas brilhando, vermelhas... Peras, ameixas, laranjas, mangas, pêssegos, uvas...
Eu me deliciava só de olhar, e, normalmente, mamãe acabava comprando uma macã, que eu devorava com muita vontade.
Havia também, principalmente na praça da Sé, os “mascates” sujeitos que ficavam apregoando seus produtos. Canetas, “remédios milagrosos”, pomadas diversas, ferramentas... Loucura total.
Gritavam, esperneavam, cantavam, enganavam, e assim iam fazendo os seus negócios.
Eram bons de papo, conversa de vendedor mesmo. Alguns traziam macaquinhos, ou jibóias, ou usavam artifícios diversos para juntar a multidão à sua volta.
Aprendi que não era conveniente parar naquelas rodas pois havia muitos “punguistas”, que roubavam a carteira das pessoas que estivessem distraídas. Nessa época eu nem tinha carteira, mas já me cuidava...
Com o tempo, eu cresci, a cidade cresceu, o trânsito aumentou, os bondes se acabaram, meu tio se aposentou...
Bem; vou parar por aqui, pra voltar outro dia, falando de outras coisas da minha infância, senão vai dar a impressão que eu cresci no dia seguinte.
Abraço