Resenhas : 

[font=Georgia][size=medium]O Estilhaçar das verdades absolutas (EC)

 
O Estilhaçar das verdades absolutas (EC)




Um breve comentário sobre o livro “A insustentável leveza do ser” - do escritor Tcheco Milan Kundera. Companhia das Letras, presente da Amiga o_culta in_visível, a linda Vany Grizante!


E tudo se repetirá indefinidamente...
E se isso é tão certo que nos toma,
Mas e o avesso?
Mas será mesmo atroz o peso e bela a leveza?


“Digamos, portanto, que a idéia do eterno retorno designa uma perspectiva em que as coisas não parecem ser como nós as conhecemos: elas aparecem para nós sem a circunstância atenuante de sua fugacidade.”
E mais adiante “... tudo é perdoado por antecipação e tudo é, portanto, cinicamente permitido.”
Milan Kundera parece negar a idéia de Nietzsche, e diz que o eterno retorno é um temendo fardo, então se tivermos que escolher será o que: o peso ou a leveza?
“Foi a pergunta que Parmênides fez a si mesmo no século VI antes de Cristo. Segundo ele, o universo está dividido em pares contrários: luz/escuridão, grosso/fino, quente/frio, ser/não-ser. Ele considerava que um dos pólos da contradição é positivo (o claro, o quente, o fino, o ser), o outro, o negativo. Essa divisão em pólos positivo e negativo pode nos parecer de uma facilidade pueril. Exceto em um dos casos: o que é positivo, o peso ou a leveza?
Parmênides respondia: o leve é positivo, o pesado é negativo. Teria ou não teria razão? A questão é essa. Só uma coisa é certa. A contradição pesado/leve é a mais misteriosa e a mais ambígua de todas as contradições.”
Li apenas uma vez e confesso: estou relendo, pois que meu atual momento se confunde com muito do que li. Mas consigo extrair profundas impressões deste belo romance, cujo tema é todo atrelado aos dilemas existenciais de dois casais, Tomas e Tereza, Franz e Sabina, que em algum ou vários pontos da história se cruzam, tudo em meio a Primavera de Praga, na Tchecoslováquia período de 1968 a 1990 em que o país foi ocupado pela União Soviética.
Um texto que fala do amor de forma contundente, alfinetando muitos contextos e contrariando as mais rebuscadas traduções: “... O amor não se manifesta pelo desejo de fazer amor (esse desejo se aplica a uma multidão inumerável de mulheres), mas pelo desejo do sono compartilhado (esse desejo diz respeito a uma só mulher).”
Personagens enredados pelo insuspeito destino ou acaso, onde parece que tudo que acontece vem de uma certa conspiração e segundo Tomas, encaixa-se bem em uma frase de um quarteto de Beethoven que diz: ?Muss es sein? Es muss sein! Es muss sein!? (Tem que ser assim? Tem que ser! Tem que ser assim!) para ele o seu amor por Tereza era um es muss sein em seu caminho, uma força inevitável e sem volta. O mesmo es muss sein também o conduzindo à profissão médica, às inúmeras mulheres, ao sexo quase compulsivo e a tudo em sua vida. E em cada personagem uma forma de encontrar-se face a face com a certeza e a crença no destino, com um rol de possibilidades de mudanças, bater a porta, trocar o curso do rio, traições onde a ordem é realmente a traição, idealismos, vidas de personagens reais na nossa própria ficção.
Tereza é aquela que vira jogo de uma vida cheia de marcas familiares e conflituosas com a mãe, sem privacidade, repleta de culpas e faltas, e aporta em um mundo chamado Tomas, onde se revela sua outra face, onde se vê em outro espelho. E para ela, tanto como para ele tudo havia sido um es muss sein.
Em paralelo há Sabina, uma pintora tcheca e uma das tantas amantes de Tomas, que faz da traição um vício, uma vitória a mais, desde que traiu o pai pela primeira vez, trair é para ela sair da ordem e partir para o desconhecido. Para ela, viver significa ver. A visão é limitada por uma dupla fronteira: a luz intensa, que cega, e a escuridão total. Talvez daí é que venha sua repugnância por todo extremismo.
E Franz? O amigo amante de Sabina, idealista, apaixonado e culpado por ser casado, vivendo a relação como uma falta ou vício. Franz pensara fidelidade como a primeira de todas as virtudes. Entre tantas incoerências, Sabina é luz, que depois de tantos anos o encoraja a tomar uma medida drástica na vida, e quando isso acontece, ela o abandona, e ele sozinho, vai realmente buscar ser feliz. Quantas idas e vindas, e quantos dramas vividos e claramente traduzidos por Kundera. Durante a Grande Marcha, uma passeata que Franz participa na fronteira com o Camboja, ao final é claro, sua participação foi movida por causa de Sabina, tamanha a decepção vivida durante a ação.
Uma viagem. Um livro que está também entre o sensual e o erótico, com inúmeras impressões, descrições do que significam atos, momentos de sexo e prazer para cada personagem, com cenas propostas ao nosso olhar, descritas sem ser vulgar e em outras já de uma brutalidade subliminar, onde a figura feminina se faz agredida, moral e sexualmente. Uma obra que perpassa por pátrias ricamente traduzidas em suas obras e cultura, invocam filósofos como Nietzsche, Parmênides e outros mais, e o genial Beethoven.
Ainda não consegui fechar a segunda leitura, mais calma e detida, mas posso pré- concluir com uma citação do personagem Tomas, de um provérbio alemão: einmal ist keinmal, uma vez não conta, uma vez é nunca. Poder viver apenas uma vida é como não viver nunca.

Aqui algumas das citações que se apossaram do meu pensar:



"São precisamente as perguntas para as quais não existem respostas que marcam os limites das possibilidades humanas e traçam as fronteiras da nossa existência".

"Os amores são como impérios: desaparecendo a idéia sobre a qual foram construídos, morrem junto com ela."

"O sono compartilhado é o corpo de delito do amor."

"As metáforas são muito perigosas. Não se brinca com as metáforas. O amor pode nascer de uma simples metáfora."


"Aquilo que não é consequência de uma escolha não pode ser considerado nem mérito nem fracasso"

"Sentiu um peso, mas não era o peso do fardo e sim da insustentável leveza do ser”.
"O mito do eterno retorno nos diz por antecipação que nós só vivemos uma vez, e sem repetições, portanto, nunca poderemos comparar uma situação com outra."


"Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida, já é a própria vida."

"A vida humana acontece só uma vez, e não poderemos jamais verificar qual seria a boa ou a má decisão, porque, em todas as situações, só podemos decidir uma vez. Não nos são dadas uma primeira, segunda, terceira ou quarta chance para que possamos comparar decisões diferentes”.

O que é vertigem? Medo de cair? Mas porque temos vertigem num mirante cercado por uma balaustra sólida? Vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio debaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual nos defendemos aterrorizados."


"O que importava era o traço dourado, o traço mágico que ela havia imprimido na vida dele e que ninguém poderia tirar."


"Nunca se poderá determinar com certeza em que medida nosso relacionamento com o outro é o resultado de nossos sentimentos, de nosso amor, de nosso não-amor, de nossa complacência, ou de nosso ódio, e em que medida ele é determinado de saída pelas relações de força entre os indivíduos. A verdadeira bondade do homem só pode se manifestar com toda a pureza, com toda a liberdade, em relação àqueles que não representam nenhuma força. O verdadeiro teste moral da humanidade (o mais radical, num nível tão profundo que escapa a nosso olhar) são as relações com aqueles que estão à nossa mercê: os animais. É aí que se produz o maior desvio do homem, derrota fundamental da qual decorrem todas as outras."


"Aquilo que o "eu” tem de único se esconde exatamente naquilo que o ser humano tem de inimaginável. Só podemos imaginar aquilo que é idêntico em todos os seres humanos, aquilo que lhes é comum. O "eu" individual é aquilo que se distingue do geral, portanto aquilo que não se deixa adivinhar nem calcular antecipadamente, aquilo que precisa ser desvelado, descoberto e conquistado do outro."



E por ai vai, um verdadeiro deleite, ainda lerei mais e mais... super recomendo. Valendo!







Este texto faz parte do Exercício Criativo - Resenha do Livro Presente do amigo oculto 2012.Saiba mais, conheça outros textos.

http://encantodasletras.50webs.com/resenha2012


[size=large]Citando:
A felicidade é branca... O amor tem matizes que nos fazem ver o infinito..
.

O desejo de escrever persiste, por vezes em tons felizes, vibrantes cores, outras em tons pastéis. cor de pérola, mas o que importa é que não há r...

 
Autor
RoseaneFerreira
 
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