Dia desses, no escritório, cansado, devido ao excesso de trabalho aliado aos poucos dias de férias nos últimos quinze anos, além das dificuldades financeiras por que a empresa vem passando, aconteceu de, ao olhar para a parede atrás da minha mesa, ver um buraco.
Não era um buraco muito grande, mas era bastante profundo. Dava a impressão de que alguém, não sei se da limpeza ou da manutenção, tirara daquela parede um prego grande, ou um pequeno parafuso com a respectiva bucha.
Não sei quando isso possa ter ocorrido, desde quando aquele buraco lá estava, servindo, talvez, de esconderijo para insetos, além de enfeiar a parede. Fazia tão pouco tempo que havíamos mandado reformar e pintar o prédio... Aquele buraco, definitivamente, não deveria estar ali!
Apertei o botão do interfone, chamando a secretária, que andava revoltada comigo por ter recebido apenas 5% de reajuste salarial há dezoito meses, e, quando ela entrou em minha sala, mostrei-lhe o buraco da parede e perguntei, zangado, se ela não tinha visto aquilo antes e, caso tivesse, porquê não havia providenciado o conserto. Seria possível uma coisa dessas? Um homem atarefado como eu ter que cuidar de “detalhezinhos”, que já não podia contar com funcionários eficientes, etc., etc., etc. ... Onde mais se veria isso?, explodi!
Dona Conceição (minha secretária), começou a chorar (e ela já sabia há muito que eu não suportava lágrimas), e chorar alto.
Lembrou que aqueles 5% que eu havia dado era menor do que a inflação, à época, e que nos últimos meses o custo de vida havia subido muito, mesmo com o Plano Real do FHC tendo dado certo, e que ela precisava de, no mínimo, 30% de reajuste salarial, além dos demais benefícios. Continuou tentando argumentar, pois sabia que eu tinha um “coração mole” e não seria difícil me “dobrar”.
Irritado, naquele momento, em que já iria abrandar minha voz, me vi gritando que ela parasse com aquilo, que no próximo mês eu negociaria com o sindicato, mas que, naquele momento eu falava “daquela brecha” na parede. (Não, caro leitor, o buraco não havia aumentado com os gritos. Ele permanecia do mesmo tamanho e no mesmo lugar! Eu é que fiz aquele estardalhaço para que ela parasse). - “Se a Senhora já não pode se ocupar com detalhes do meu escritório”...
Dona “Ceiça”, (apelido carinhoso de Dª. Conceição) saiu de minha sala sem dizer mais nada. Percebi que eu havia exagerado na bronca. Talvez aquele buraco tivesse surgido há poucos minutos, ou ontem, ou... Sei lá! Ela sempre fora muito dedicada. Talvez até já tivesse providenciado para que fosse consertado depois de minha saída do escritório, pois eu não suportava poeira.
Cansado de tudo e de todos, envergonhado do tratamento que dera à minha dedicada servidora, pensei em suavizar a situação, e acabei por fazer o que sempre soube que não deveria: tentei contemporizar, falando de assuntos relacionados ao serviço, pedindo sugestões a respeito de contratos, etc., etc., e tentei brincar, comentando que aquele buraquinho na parede (não, caro leitor... o buraco não mudara de tamanho; eu é que achei que deveria minimizar aquilo tudo!). poderia ser coberto com um quadro bonito, ou com uma foto de minha família... Ela que decidisse... Ela sempre tivera muito bom gosto, eu confiava nisso...
- “Fica a seu critério, Dona Conceição! Amanhã estarei viajando e vou tranquilo, pois sei que a Senhora cuidará disso por mim”.
Pobre de mim. Eu não devia ter feito aquilo...
Primeiro, deixar minha secretária nervosa, brigar com ela, até; depois, dar-lhe carta branca para tapar aquele buraquinho na parede, que fora a causa de toda a briga. Agora eu não poderia de forma alguma reclamar da solução dada
De volta da viagem, ao entrar no meu escritório, pasmei !!! Na parede atrás da minha mesa, em lugar de destaque, cobrindo o buraquinho da parede, estava a foto de minha sogra, abraçada à secretária.