Sobre a areia , numa postura de eterno sono , devolvido pela água (rendilhado das ondas a beijar – lhe a boca). Detentor do inerte mistério da morte , aportou na praia em manhã radiosa , cuspido pelo mar, como quem sonha que está a sonhar . A pálida face , envolta por longos e louros cabelos ; nos traços suaves , uma agonia tão infinita que já é sublime , deste companheiro de Flebas .
Que pensaste durante o derradeiro amplexo de Netuno , atlântico abraço de acolhida em teu talvez breve morrer ? Viste o filme da tua vida , aquele verdadeiro ou uma das muitas versões que a mente emulou da realidade ? De quão longínqua terra vieste , pergunto em dúvida ansiosa e inútil. Ninguém te conhece , ninguém te sabe o nome , ninguém sofreu por ti , nem aqui nem ali e nem onde ?
Um vôo de gaivota delineia- me os pensamentos na areia da praia , seu canto ecoa desesperante , trazendo-me idéias-sentimentos sombrios, medo de ter medo de encontrar um morto , de que a eternidade me arraste para si mesma e que eu nela não me dissolva.Que poderias me contar sobre o reino das sombras em tão radiosa manhã ? Nada , apenas , em toda a simplicidade de tua mortalidade absoluta .
Bolsos repletos de areias profundas e finas , imagino durante tua purificação pela água , irmão de Flebas, que rendeu o seu arcaico tributo há tantos anos e eras. Na praia a esvair – se , quase impudicamente deserta , uma menina se aproxima e te coroa com um ramo de sargaços apodrecidos , como a memória dos tempos. Deixo – te entregue á própria paz - que é a mesma do lugar . Tomei da minha solidão e segui em frente.
N.A : Flebas – Deus fenício da fertilidade .
andrealbuquerque
Homenagem ao poeta T S Elliot, no 46o.ano de sua morte.(2011)