Nada a reclamar
O poder do Tempo que passa sem ser notado é inegável.
Ontem a madrugada me convidou a explorar retratos guardados, esquecidos.
A manha testemunhou muitos outros espalhados sobre o tapete. No papel registros de outras épocas.
As crianças curiosas começam a observar os momentos eternizados. Eu a observa-los.
Dou nome aos antepassados que há muito já partiram. Elas com os retratos nas mãos contemplam as faces ali eternizadas. Pessoas queridas que deixaram muito de si em mim.Olham para peles brancas,cabelos negros como o meu.E me contemplam no meio daquele mundo para eles desconhecido.
Olham para a menina e não reconhecem a mãe sobre um moto. Olham a adolescente em muitos momentos. Eu faço uma linha do Tempo sem querer explicar, somente analisar.
Nessa linha que faço sobram lacunas de retratos destruídos. Que eles nunca verão... Provas perdidas no tempo ,porem vivas na imaginação.
Exatamente aqui ocorreu a transformação.
As mudanças o Tempo magistralmente orquestrou. Nada a reclamar.Foram tantas vidas...
Caminho longo desde a criança até a mãe. Que mesmo sem planejar muitos valores a eles ensinou.
Conto a eles da menina livre a correr em sua terra natal. Lembro a eles o compromisso de não se envolverem com as crenças dos ancestrais...
Ouço risos ,quando olham as longas tranças espalhadas no banco da praça, a adolescente dando adeus à menina.
Contemplam a jovem envolvida no seu manto de perfeição. Idealista e lutando por um mundo perfeito. Quanta ilusão...Veem um país estranho ,muito além de sua compreensão .
A adolescente ainda tão menina se responsabilizando por outra vida. E exclamam: _Nossa!
Cada retrato mostra claramente o brilho do olhar se apagando, dando lugar a obrigação.
Contudo ainda sobra o lugar para o sorriso nos rosto, olhos porem apagados.
Em algum momento da metamorfose o brilho se despediu, não suportou tanta desolação.
Em cada época uma vida, muita estrada, às vezes pés descalços sangrando pelo chão.
Às vezes correntes, açoites... vez ou outra um oásis...Esperando numa curva do caminho uma miragem...E eis os seres reais se contemplando nos retratos.
De repente as fotos mudam do papel para as digitais. Nesse momento tudo começa a mudar.
Como por mágica os olhos retratam a paz há muito perdida, enfim encontrada.
Quanto tempo ainda resta nesse caminho não importa, nunca importou. Quantos retratos ainda registrarão as transformações eu não sei. Espero que muitos aqui e além mar. Espero sentir vento no rosto em outras paisagens. Obrigação cumprida no final da estrada.
E quem sabe um dia ter entre essas fotos aquelas que um dia foram excluídas pela necessidade do caminho.
Caminhamos por caminhos diferentes, tão separados e juntos.
A luz da janela sempre acesa, abastecida pelo amor guardado, acalentado, protegido.
Fecho os olhos e enxergo bem os caminhos se tornando um só caminho. Sem encruzilhadas.
Espero que eu chegue primeiro e sentada na varanda fique observando o caminho escuro. Segura que a luz será seu guia.
Então enfim ouvirei seus passos subindo os degraus da varanda. Verei seu rosto iluminado pela luz.E o Tempo será obrigado a se curvar e sair.
Su Aquino