Num domingo, O escrivão aposentado Baracho foi chamado a delegacia para lavrar o auto de prisão em flagrante delito de um ladrão e de uma receptadora, indo para Timóteo meio aborrecido por não receber hora extra da prefeitura. Lá chegando, encontrou o delegado que estava de saída para Belo-Horizonte deixando a ordem para o nosso amigo fazer o flagrante que ele assinaria na volta.
No cartório estava uma senhora com um grande rádio toca-fitas nas mãos e de pé ao lado do soldado Enrico, o policial militar disse que o sargento Damas tinha ido buscar o ladrão na cadeia de Coronel Fabriciano e que a mulher era uma receptadora e não poderia ficar sentada por estar de castigo com o produto do furto na mão.
Baracho determinou que a mulher ocupasse uma das cadeiras e coloca-se o rádio sobre a mesa, com isso, recebendo o desagrado do soldado referido. No local estava, também, o patrão da mulher a acompanhando e dizendo que ela era uma excelente funcionária, também estavam no cartório duas testemunhas, enquanto o soldado Enrico ficava, a todo o momento, chateando a todos dizendo que ficara a noite toda atrás do ladrão e que receptador era igual a ladrão.
Em determinado momento, Baracho olhando, detalhadamente, a ocorrência policial do evento, pediu ao soldado que fosse até a casa da vitima busca-la para prestar declarações, tendo o soldado redargüido que a vítima não era preciso declarar no auto daquela prisão, só atendendo após muita insistência do nosso amigo.
Tão logo o soldado saiu com uma das viaturas, Baracho mandou a receptadora e as testemunhas irem embora lhes dizendo que não ia fazer nenhum flagrante, tendo a mulher dito que tinha que viajar para São Paulo sem data marcada para o retorno, ocasião que Baracho lhe disse que ela não seria indiciada.
Como previra, pouco tempo depois, o soldado voltou dizendo que a vítima não quisera acompanhá-lo até a delegacia e ele não teve como forçá-la, desviando o olhar perguntou:
"Cadê a receptadora e as testemunhas?"
Foram liberadas! Respondeu Baracho.
Muito nervoso Enrico pediu para usar o telefone e disse ao seu superior, do outro lado da linha, talvez um capitão:
"Baracho soltou à receptadora e mandou as testemunhas saírem, só falta ele soltar o ladrão quando o sargento chegar".
Saindo da sala, Baracho não escutou o resto da conversa, voltando depois quando Enrico já estava na calçada à espera do sargento, que chegou logo depois, ao subirem as escadas, Baracho ouviu Enrico contar o caso e o sargento responder:
"Conheço muito bem a ”família Baracho", se ele soltou foi porque nós erramos em alguma coisa”.
Ao entrar no cartório, o sargento disse que não teve como trazer o preso por não ter encontrado o carcereiro, com Baracho lhe dizendo: “Dê-me a autorização lhe entregue pelo delegado, que eu soltarei o ”preso”, já que estou indo para Coronel Fabriciano", sendo atendido pelo sargento.
Quando o sargento ia sair, Baracho lhe contou a razão de não ter feito o flagrante, sem permitir que o soldado Enrico escutasse, dizendo ao graduado o seguinte:
Não houve prisão em flagrante de furto, nem houve consequentemente, receptação, porque a vitima é mãe do conduzido que pegou o rádio em casa de ambos às escondidas, poderíamos ter feito o inquérito se a vitima tivesse comparecido, todavia, ela recusou a vir, dessa forma, o artigo 155 do Código Penal diz que ele é isento de pena por ser filho da vitima.
Satisfeito, o sargento foi embora sem comentar nada com ninguém. No dia seguinte, quando Baracho chegou à delegacia, o delegado, bastante nervoso, o dispensou alegando ter sido desobedecido, mas, teve que pedir-lhe desculpas ao ver, em letras vermelhas e garrafais, os motivos da não feitura do flagrante, lá inserida, limitando-se a dizer:
"Desculpe-me, não tinha visto, anteriormente, a ocorrência".
(aa.) S.A. BARACHO.
conanbaracho@uol.com.br
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