E na tarde de agosto,o menino escutou o sibilar de vozes fantasmagóricas ; o macabro insinuara-se entre as brisas familiares da Rua do Carvão : Comadre Fulôsinha , Saci, o Cavaleiro sem Cabeça ? O coração disparado,a dúvida assustadora e paralisante lhe assanhava os cabelos.Os ventos falavam.Talvez Comadre Fulôsinha lhe trançasse os cabelos de susto,ameaçando-o com o Grande Medo, que nunca o abandonaria;o medo primevo e abissal que sabia encolher,até esconder-se nos bolsos das suas calças,saindo aos pouquinhos,ao longo dos anos,crispando faces e encanecendo cabeças.
O espírito zombeteiro entoava a sua cantiga de terror e morte pelas ruas,misturando papéis,areia e cascas de frutas ao medo grande e antigo,anunciado pelas velhas tias;o medo só medo , puro , sem cor ,sem nome ,sem cara nem casa , balançando a placa da barbearia do seu Duarte , distorcendo com insultos de areia a sua já desfocada visão do mundo , açoitando os fícus da Praça do Fundador , chacoalhando o pequeno cajueiro de dona Eunice , soprando diabólico e poderoso seu fino e agourento assovio , abalando as casuarinas da frente da igreja (galhos retorcidos de tão finas folhas,assanhadas como quem leva uma bofetada) , correndo furioso pela rua , até esbarrar exausto nas amendoeiras do mercado público , esvaído em si mesmo , deixando o menino e o seu pavor encostados na porta fechada da barbearia , sujos daquela terra cinzenta que até poderia ser a dos cemitérios.
O recado fora dado,seja lá qual fosse . A rua tornava a respirar a calma original e semi crepuscular . O menino caminhou pela calçada ; subitamente parou , abordado pela dúvida transeunte : porque estava ali?
Então , devagar e com cuidados de dono , puxou debaixo da camisa a pipa colorida e frágil , que empinou rápida , ao sabor da brisa conhecida e boa , que detestava sustos e recados e no silencio eficiente e cúmplice , levitava a pipa vermelha e azul , agora crepitante de alegria , em gloriosa assunção , solitária e bela na sua alísia maneira de ser.
andrealbuquerque