( Conto juvenil )
Era uma vasta biblioteca, que o senhor Ernesto Epaminondas tinha. Orgulhava-se dela. Mas como estava com seus 70 anos, achava que em breve, ele se despediria de seu tesouro.
Passava horas incontáveis ali: Esquecia o resto do mundo lá fora...
Sua filha, foi morar novamente com ele e a esposa, pois enviuvara e não aguentava as recordações que sua casa lhe trazia... Na maioria bem tristes, pois cuidara do falecido esposo, anos a fio, pela doença que ele contraíra.
E somente depois da morte dele, foi-lhe revelado por pessoas conhecidas e da família, que ele havia sido noivo por um bom tempo de outra mulher, mesmo estando casado com ela!
Nessa época, já tinham um casal de filhos. Ah, se ela soubesse disso antes! Pensava...
Teria mudado o rumo da sua vida totalmente!
Mas eram águas passadas...
Fabrícia levou consigo, para morar com seus pais novamente, a filha caçula também, pois os outros filhos já estavam casados.
Seu pai pouco enxergava agora, a catarata e o glaucoma tomaram conta de seus olhos.
Isso deixara Fabrícia muito triste e preocupada: O que seria de seu pai sem a visão?
Logo ele, que 'consumia livros', adquirira tanta cultura universal ali, naquela biblioteca...
Fabrícia amava muito seus pais, e não gostava nem de pensar na hora que Deus os chamasse.
O que Fabrícia não sabia, é que naquele local tão estimado por seu pai, residia uma fada.
A fada, vestida como as damas de época, estava certa manhã sobre os livros, quando Fabrícia e sua filha Caroline, entraram na biblioteca para tirar o pó da estante e recolher a xícara de chá que havia ficado na noite anterior, sobre a mesa.
Mas a fada surpreendida pelos olhares femininos, ficou muito aborrecida e ao mesmo tempo com medo.
Os humanos sempre metiam-lhe certa dose de receio... Eram bem diferentes dos elementais, geralmente mentirosos, invejosos e até violentos, nem asas tinham! Pensava a fada...
Mas Caroline que era cética e que muitas vezes até fria, virou-se para Fabrícia e disse: Deve ser alguma bonequinha nova, em forma de fada, que inventaram. Vovô deve ter comprado para me dar de presente, acha que ainda sou uma menina...
Fabrícia foi até a mesa para observar e ao tocar na fada, (dando um pequeno aperto no braço dela) pode comprovar que era totalmente real, quando ela deu um grito:
_ Ai! Vocês humanos tem sempre que beliscar para saber se é de verdade?
Caroline surpresa então disse:
_ E não é que elas existem mesmo?
Fabrícia perguntou para a fada porque ela estava ali, em vez de bosques, jardins, florestas...
Ela respondeu que era uma fada fugitiva, queria viver entre os humanos, para conhecê-los melhor, mesmo sabendo de seus terríveis defeitos de caráter!
_ Mas não temos apenas defeitos, fada. Temos virtudes também!
Respondeu Fabrícia.
_ Bem estou aqui entre livros, para entender sua cultura e o que acontece pelo resto do seu mundo, pois o meu, é bem diferente disso aqui... Seu pai vem aqui e me vê sempre, sabia?
_ Como ele te vê se quase nada enxerga? Ainda mais, sendo tão pequena!
_ Simples: Ele me vê com os olhos do sentimento, pois nutrimos o mesmo amor pelos livros.
Fabrícia e Caroline entenderam então, porque Ernesto Epaminondas, passava tanto tempo ali:
Era um meio de manter-se vivo, sentindo-se bem, pois a energia que a fada passava para ele, era muito melhor do que colírio que seu médico mandava colocar nas vistas...
Um dia a fada foi embora, já havia adquirido muito conhecimento. Uma semana depois, Ernesto Epaminondas, cegou inteiramente. Seu mundo então, caiu.
A atitude egoísta da fada, ao deixar a biblioteca, esquecendo do senhor que tanto a queria ali, mostrou que ela não só adquiriu conhecimento: Também defeitos do ser humano, que ela tanto criticava antes...
Não devemos julgar a ninguém. Olhemos primeiramente, para dentro de nós mesmos e vejamos como somos falhos.
Ditado popular: "O macaco nunca olha seu rabo"
Fátima Abreu