ORVALHOS CAÍDOS SOBRE OS CACTOS
Na deformação do itinerário trilhado por fluidos abstratos,
assenta-se a cristalização de imagens concretas.
Sim, nelas arde o desprezo pelo passeio sobre a derme da matéria:
esta, pouco explorada, quase ignota. Na verdade, de leitura aparentemente hermética, ou, na maioria das vezes, se comutando em estradas salpicadas de nódoas da procura inglória.
Claro, por isso, muitos, sob o efeito do álcool da pusilanimidade,
não se atrevem a trilhá-la, sequer esquadrinhá-la, o subterrâneo prospectar-lhe: perdendo, assim, a chance de, ali, quem sabe, descobrir novas variedades de pérola, rubi, prata, ouro, esmeralda que sejam crias de uma surpreendentemente insólita seara da consciência:
até, então, ainda não penetrada.
No entanto, outros tantos têm ânimo de perseguir o espectro de suas nuanças para, com sorte, encontrá-la e, sobretudo, ir além:
sim, afinal, chegar-lhe á manancial
para partilhar, com os sábios do falso hermetismo,
a arca da têmpera contida na sublimação da singeleza expressa na esfinge dos mais ordinários do talvez mais fascinante espécime dos seres vivos que a Terra habitam.
Mas, dentre esses tantos outros, assoma, existe, fulgura a mestra.
Sim, ela, o docemente catártico chafariz de sabedoria,
é a única que penetra a matéria tantas quantas forem as feitas que queira ou conceba a sua intuição feminina, femininamente artística. E, não satisfeita, vai além. Ela submerge ás profundezas:
ás profundezas deste Ar-Mar-Terra indizível, deslindando-o sem fim. De fato, sendo o seguidor da via secretamente eterna da vital energia, a qual, em nós, calorosamente, se encerra arredia.
Ah, como ela não se furta, nem mesmo se cansa
de olhar além das perfeitas quimeras hipócritas da bonança.
Ah, ela, com seu olhar oblíquo, de sosláio, de esguelha,
enxerga o lirismo acre do modelo antípoda ao paradigma
da prole de Ísis, Afrodite, Arquimedes, Dionísio, Diógenes, Hércules, Sólon, Péricles, Sócrates, Platão, Athenas.
Não, nada que venha, provenha dos gregos “Jardins do Eden”
faz com que a Poesia Plástica a enseje, a almeje, a ganhe, a aprisione, a medre e faça com que ela os venere.
A sábia prefere colher a poesia encontrada nos orvalhos caídos sobre os cactos que afloram no real solo
deste flagelado campo universal, mas também brasileiro:
de esperança brasileiramente nunca estanque: sim, exatamente assim como a chama que emana do candeeiro que tenazmente alumeia, embora precariamente, as humildes casas e, mesmo, as enfermas almas da sofrida e infatigável gente sertaneja. Ah! brava
gente sertaneja: a expor, todos os dias, sua face ás intempéries do
sol, sua barriga ás intempéries da seca, ou, quando em vez, matando a fome com o lume de sazonais faíscas emitidas pela solitária estrela vermelha.
Oh! sem falar nos protestos da mente: ora sob a forma das lufadas benfazejas do eco da lírica poética jazida nas laudas da bíblia de cordel, ora na força harmônica das palavras cantadas por repentistas, ou ora pelo vale de lágrimas derramadas pelo luar sertanejo, tão vazio de alegria, glória, magia!
Ah, guardiã dos sortilégios e magnos poderes da matéria maior,
permita-me singrar o caminho que você sabiamente singrou.
Dê-me a coragem necessária para poder chegar ao mesmo patamar em que você chegou. Dê-me o ânimo adequado para que eu vença o medo e transcenda ás débeis barreiras do fantasma do hermetismo, o qual aprisiona meus filosóficos pensamentos oníricos.
Deixe-me, também, descerrar a arca das sutilezas e sentir o êxtase de ter decifrado o rosto verdadeiro da indecifrável substância perfeita.
Deixe-me ver o lídimo veio dos orvalhos que caem sobre os coitados e, ainda sim, impávidos filhos do sofrimento:
sim, falo destes miserandos corpos celestes que viajam a esmo pelo sideral espaço do desconhecimento; que vagueiam pelas Terras mais férteis em busca de melhorar seu viver precário.
Sim, falo daqueles aprisionados no limbo do tempo, onde, enclausurados, não viram que a passagem dinâmica do mesmo fez transformar o moderno Nilo da prosperidade em Mar-Morto de
opacos astros primários da utilidade.
De quem eu falo? Falo dos infelizes que abandonam suas pradarias para se perder na poeira dos oasis que encobrem os desertos de horizontes das selvas de pedra que são as grandes cidades cosmopolitas.
De quem eu falo? Falo daqueles que em vez de luz recebem gélidas rajadas de ocaso por parte de um sol elitista, implacavelmente apenunbrante, desigualitário!
De quem eu falo? Falo de mim, de ti, dele, daquela, daquele, de vós, de nós, de vários! Na verdade, são tantos de quem eu falo, a quem dirijo a minha voz: uma voz tão presa no mais nefando dos vácuos, a impotência feroz. Sim, esta dor, que se irradia pelo meu corpo, langorosa, ligeira, ferina, mentecapta, sádica, maldita, eegoísta, daninha, Atroz.
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