A carta vinha fria, gelada, mesmo - era Inverno, o bolso onde ela viera, fraco abrigo, e as mãos que lha deram, estavam frias, também. Só um brilhozinho nos olhos do mensageiro, entre a troça e a ternura, lhe traça agora uma nota de longínquo calor, nessa lembrança.
Não sei se ela corou - o fogo da lareira ainda acesa, matizava-lhe o rosto de realces quentes - mas julgo que sim. No entanto, e apesar do seu olhar fingir surpresa, dir-se-ia que esperava, há muito tempo, aquela carta. Talvez, quem sabe, só estranhasse as mãos mensageiras, tão frias e tão cúmplices.
As suas mãos, apesar de quentes (estava há tanto tempo àquele lume!... fazendo bem as contas, já desde o Verão passado, quando ainda as tardes eram longas e os olhares breves...) pareceram instantaneamente arrefecer, ao toque daquela carta. Um calafrio estremeceu-a, baixou os olhos, sem mais saber o que fazer com eles, e retirou-se, à pressa, fugindo do risinho compreensivo do mensageiro, levando nos lábios um "obrigada" que ele não ouviu, nem precisava de ouvir...
O quarto estava frio, em comparação com a sala; era inverno, e as divisões das casas de aldeia, se não dependessem duma fogueira constante, chegavam a tornar-se gélidas. Devia ser por isso que todo o corpo lhe tremia, numa convulsão incontrolável...
Devia ser, mas, na verdade, naquele momento, não era frio, o que ela sentia. Não. Era uma outra sensação, que, não obstante, tinha o mesmo efeito que uma hipotermia violenta.
Sentou-se na cama e tentou dominar a carta entre os dedos. Desajeitadamente, abriu o envelope em branco: uma mensagem manuscrita, não muito longa, não muito breve, saltitou-lhe nas mãos e, instintivamente, ela levou-a ao peito, como que para lhe serenar a agitação. Ficou assim dois ou três minutos, dando tempo a si própria de se situar no momento, e às lágrimas quentes para lhe deixarem ler.
Página e meia. Uma letra tipicamente masculina, mas elegante, inclinando-se com natural nervosismo para a direita. E tantas palavras, tantas frases, tantas reticências finais, a abrir-lhe um mundo novo, a arrebatá-la para um turbilhão de sentimentos, a, finalmente, a elevarem a amada!... “Amo-te”, sussurrava-lhe a carta tremente, antes da carícia da assinatura… e ela, no delírio da verdadeira e pura felicidade, levou-a aos lábios e beijou-a, como só se beija num primeiro beijo, como só se beija um primeiro amor…