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TELA IMPRESSIONISTA

 
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Gê Muniz

TELA IMPRESSIONISTA

Eis que a solidão me acalenta e alimenta. Solidão esnobe, rígida e altamente inflamável como madeira de lei. Porém uma faísca da tua lembrança cai, por demais suave, em minha solitude. Véu de seda que entorpece levemente a visão, que atenua as linhas fortes do teu rosto, do teu corpo, ao pincelar as lembranças numa espécie de tela impressionista, pois perdem o sentido do todo ao aproximar-me... O recordar-te mistura-se à minha viagem reclusa, soma-se às últimas imagens desoladas e abusivas que coleciono num exercício mórbido: uma erma e imensa árvore de cuneiformes folhas pequeninas e muito verdes; uma flor toda colorida - da qual nem imagino o nome - esmagada pelos tantos pés dos transeuntes na calçada; uma ensolarada rua deserta com calçamento escorregadio de pedras musgosas. A saudade impregna-se em tudo o que não conversa comigo, no que não me dá trela nem importância, em tudo que é vivo, belo, retirado, destituído e absolutamente mudo. Essa saudade mostra-me que é a solidão que me suporta, não o contrário; a solidão bem-posta que me dá os corretos incentivos para eu não destrancar certas portas: a do corpo e a do coração.

(Gê Muniz)
 
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