<br />Cada manhã, cada novo dia.
Com os olhos carregados de penumbra,
e um punhado de pó em cada mão,
chegas tristemente,
até o torrão de terra que haverás de remover.
Até que uma nova cova
prepares para o funeral à tarde.
A terra te conhece, e a teus passos.
Os pinheiros te conhecem, mas não sorris.
As cruzes são tuas amigas,
pois sempre as colocas nas sepulturas.
A terra sabe reter fundo o que sepultas,
e a cuspir mais tarde o que ainda tem vida.
Homem soturno e sem alegria.
As vezes paras para acender um cigarro,
com teus dedos, ressêcos e afilados.
Teus dedos que apartam caveiras,
ossos, vermes, roupas, jóias,
algum retrato ou talvez nada.
Algum pedaço de gente, todavia.
As vezes paras e cruzas os braços,
e apóias a cabeça em algum nicho.
E descansas os pés sôbre uma lápide.
Compreendes, homem apagado, aqui :
Jogas com a morte.
Que rondas a morte.
Que a morte te tem, sem ter-te de todo.
Porém um dia qualquer.
Um dia mais que outros,
te tocará a morte mais depressa,
te tocará e tentará enterrar teus passos.
Tu não serás estranho no outro lado,
lá naquele lugar onde já estivestes.
Nem sentirás, gelado, o primeiro frio.
O frio que os mortos sentem sempre
quando estreiam suas tumbas.
Nessa noite chiará o morcego.
Aquele que espantavas sempre das paredes.
O que levavas sempre na memória.
O que te fez tremer aquela tarde.
A terra sentirá em suas entranhas,
um peso que não teve mais que a momentos,
e estranhará tua calma eternamente.
Nessa noite gemerá mais forte
A cancela de ferro que guarda a entrada do Cemitério.
Rui Garcia