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Muros

 
Sabia ao que vinha. Daquele lado, o vento assobiava aos meus ouvidos, como se eu fosse a alegria de um dia sim, a sorrir para o céu. Adivinhava-me e sorria-me sempre que eu lhe estendia a mão. Se não fosse pela minha fraca audição, saberia até ao que vinha no exato momento. Para quê tentar saber as coisas antes delas se sucederem como sucedem as rajadas de vento nos meus ouvidos?

Bem gostaria de me permitir ser em todos os dias como o vento a querer saltar os muros que ladeiam a minha casa. Estão agora cobertos de musgo. Arredei todos os tijolos de vidro, para que não se sentisse nenhuma silhueta na parte de fora. Cobri-os com tinta plástica da cor do alcatrão e até colei neles recortes de jornais diários, onde se podiam ler as notícias todas que nos fazem cair em nós logo pela manha. À noite já não é a mesma coisa. A tinta escorre, os recortes ficam todos torcidos, e ainda se podem ver transparências a quererem sair de um espaço fechado.

Hoje à noite ligarei a televisão no canal Panda. Aprendi com os meus netos. Nada melhor do que passar um tempinho antes do jantar a ver desenhos animados. Animam, animam e descontraem os músculos da cara. Não fico com os olhos tortos, se é que me faço entender. Se não entenderem, é porque não têm o canal Panda e veem a casa dos segredos, ou a Gabriela. Não! A Grabriela já terminou! Dessa até gostava. Não tenho mais nada que me faça rir à noite. Gostava mesmo daquele ar descabido de alguns mestres das artes antigas a tentarem usar o que por si só já está mais que usado. Aquela frase deixava-me de pernas para o ar de tanto rir. “Deite-se que vou-lhe usar”.

Bem, mas agora pensando bem, penso que terei que pintar os muros de tijolos de vidro de outra cor. Vou usar cores berrantes para se poderem ver de cima. Assim quando o vento se quiser fazer ouvir nos meus ouvidos e estiver para chegar, poderá lançar-se de para-quedas. Fica logo em casa. Para alguma coisa terá que servir este meu esforço em ter cores que saiam fora do âmbito normal dos usos e costumes de um povo a construir muros e outras coisas.


Maria Al-Mar
Enquanto Mulher


- Ilusorium
- Mira(douros)
- Modus-Informe
- Uivam os Lobos
- Mulheres de Areia

 
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Dakini
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Enviado por Tópico
Clarisse
Publicado: 18/04/2013 10:58  Atualizado: 18/04/2013 10:58
Da casa!
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 Re: Muros
Olá Dakini,

Devo confessar que foi difícil continuar a raciocinar, depois de ler a frase que a deixava de pernas para o ar de tanto se rir. Senti-me impotente e incapaz de fazer o riso parar - como consequência, (o meu sentido de orientação) escapou-se-me por entre o riso e lá se foi a compreensão do texto. Não é que eram tão engraçadas determinadas figuras na novela que citou...

Os muros - sejam da cor do alcatrão, sejam de cores berrantes -, constroem-se e o problema é quando eles não se vêm. Quando damos conta, estamos com o nariz esmurrado!

Não dá para não rir com isto:

«Hoje à noite ligarei a televisão no canal Panda. Aprendi com os meus netos. Nada melhor do que passar um tempinho antes do jantar a ver desenhos animados. Animam, animam e descontraem os músculos da cara. Não fico com os olhos tortos, se é que me faço entender. Se não entenderem, é porque não têm o canal Panda e veem a casa dos segredos, ou a Gabriela. Não! A Grabriela já terminou! Dessa até gostava. Não tenho mais nada que me faça rir à noite. Gostava mesmo daquele ar descabido de alguns mestres das artes antigas a tentarem usar o que por si só já está mais que usado. Aquela frase deixava-me de pernas para o ar de tanto rir. “Deite-se que vou-lhe usar”.»

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Bjs,
Clarisse Silva