"O Auto da Barca do Inferno, séc. XXI"
Preâmbulo:
O Auto da Barca do Inferno é uma complexa alegoria dramática de Gil Vicente, representada pela primeira vez em 1517. É a primeira parte da chamada trilogia das Barcas (sendo que a segunda e a terceira são respectivamente o Auto da Barca do Purgatório e o Auto da Barca da Glória).
Os especialistas classificam-na como moralidade, mesmo que muitas vezes se aproxime da farsa. Ela proporciona uma amostra do que era a sociedade lisboeta das décadas iniciais do século XVI, embora alguns dos assuntos que cobre sejam pertinentes na atualidade.
As personagens que Gil Vicente criticava, e que eu encontro paralelismo com a atualidade, eram:
-Fidalgo, D. Anrique: ora o que não falta hoje em dia é jet sets de merda e patronato que mais que não fazem que sugar o tutano aos plebeus;
-Onzeneiro - homem que vivia de emprestar dinheiro a juros muito elevados, neste caso onze porcento, ou seja, um agiota: a troika, os bancos, as financeiras que extorquem o país e as famílias com juros agiotas;
-Sapateiro de nome Joanantão, que parece ser abastado, talvez dono de oficina: o pequeno patronato opressor que explora os trabalhadores, um novo rico;
-Frade cortesão, Frei Babriel, com a sua "dama" Florença: o clero, os padres que ainda hoje são muitas vezes acusados de pedofilia;
-Brísida Vaz, uma alcoviteira: o pasquim correio da manhã, o jornal de notícias, os chulos que vivem à custa da prostituição das mulheres;
-Judeu usurário chamado Semifará: a grande finança mundial ainda é controlada por judeus;
-Corregedor e um Procurador, altos funcionários da Justiça: o alto funcionalismo público, hermético, ineficaz, que só suga impostos, deputados, ministros, magistrados, parlamentares;
-Enforcado: ralé que suga o estado com rendimentos sociais sem trabalhar, e gente da mesma estirpe, que nada faz e só sugam o dinheiro do estado, arrumadores de carros, ladrões, carteiristas, pequenos delinquentes;
-quatro Cavaleiros que morreram a combater pela fé: bem-visto por Gil Vicente, os militares que defendem uma nação
-Joane, um parvo, tolo, vivia simples e inconscientemente; (este sou eu, o doido que não sabe o que diz, presumo que esteja então perdoado)
letra:
O Auto da Barca do Inferno, séc. XXI
Parte I - Inspiração
Meu nobre Gil Vicente
és o meu génio inspirador
pois quem diz a Verdade e não mente
merece honras e louvor
Escrevo-te neste Inverno
este verso teatral
Escreveste: "o Auto da Barca do Inferno"
Escrevemos Portugal
Muito pouco mudou desde então
prezado Gil Vicente
pois há muito fidalgo e ladrão
que continua entre a gente!
Fidalgos são os jet set de merda
que vivem à custa do desgraçado
e há muito fidalgo de esquerda,
há muito fidalgo advogado!
Para onzeneiros, temos o Dr. Ulrich
assim como o Dr. Jardim Gonçalves
Pois na TV, pedir crédito é fixe
Agiota, que do diabo não te salves
Os frades meu caro Gil, já não dão esperanças
no teu tempo andavam com raparigas
pois agora andam com crianças
que ficam com infâncias perdidas
A alcoviteira continua aqui
a cada Correio da Manhã
aquelas páginas que eu lá no meio vi
são Evas que morderam a maçã
Os judeus usurários estão no capital
vestem fato e gravata p'la manhã
estão na troika e em Portugal
vêm lá todos do Grande Satã
Parte II - do Estado da Nação
Temos Portugal na desgraça
fome, miséria, pobreza.
Sofremos a ameaça
do capital e da avareza
Banqueiros, proxenetas, corruptos
são todos da mesma raça
carregam sobre o povo com os brutos
quais caçadores que vão à caça!
Deputados, chulos e putas
todos do mesmo coio
se tu meu povo não lutas
passas por vil e saloio
Burgueses, sindicalistas idiotas
ao capital no bolso não dizem não
pactuam com os agiotas
que fodem esta nação
Juros e mais juros e juros
pois juro-vos que não me calo
gritando os versos mais puros
é sobre o meu país que vos falo
Agiotas e engravatados
todos da mesma ralé
deviam ser sodomizados
por africanos da Guiné
Deputados, ministros, violadores
todos já para o Terreiro do Paço
juntem-se-lhes os corruptores
pois humilhá-los é o que faço!
Generais, coronéis e tenentes
que fazeis vós por esta nação?
A não ser, ferrar com os dentes
a este povo, a mais ínfima migalha de pão.
Advogados, fiscalistas, consultores
sois vós os parasitas da sociedade
a par com meia dúzia de doutores
que na TV, se acham os suprassumos da verdade.
Meu povo, não deixeis, que vos ferrem a carne
pois não falta luxo ao cão que vos governa
Rogo-vos: não sejais cobarde
e lembrai-vos: o povo é quem mais ordena!
Parte III - do Capital
Sindicalistas e burgueses
temperança não é convosco
das grandes marisqueiras são fregueses
fostes vós que pusestes o país no poço!
Maquinistas, juízes, professores
os inúteis mais bem pagos do país
que só por se acharem doutores
podem extorquir o Estado até à raiz
“Eu sou técnico superior
o meu estatuto é fundamental
Você é ralé… Oh Sr. doutor
sempre vamos à greve geral?”
“Eu sou funcionário público
Trabalho muito e ganho mal!
A pedir aumentos não sou púdico
Trabalhar?! E a minha hérnia discal?”
“A meio da tarde bebo o meu tinto
o meu salário é fundamental,
entro às dez, saio às cinco.
Quanto é o salário mínimo nacional?”
“Eu sou grande gestor, quero, posso e mando
dezanove vezes ganho mais
sobre aqueles quem eu comando
esses parasitas, sanguessugas e chacais”
“Cortar salários não me custa
A minha técnica? Precariedade laboral!
A PJ lá em casa fez uma rusga
mas eu sou perito em evasão fiscal”
“Advogados, procuradores e magistrados
compro todos e saio ileso.
De todos esses afamados
já viu algum corrupto preso?”
Sindicalista pede dinheiro
Capitalista quer capital
Será que a diferença está no cheiro?
Pois eu não vejo, é tal e qual!
Sindicalista pede aumento
Capitalista joga com o risco,
ao primeiro, trabalho é tormento
o segundo foge ao fisco!
Parte IV - da Austeridade
Em casa onde não há pão!
todos ralham com quem é sóbrio
Quem nos comanda é ladrão
os comandados só sentem ódio!
Em casa onde não há pão
há um político engravatado
pois com fé e a televisão
fazem o povo bem mandado!
Em casa onde não há pão
não falta a ZON no coração
O Benfica é a paixão,
Fátima é religião!
Em casa onde não há pão
para quê educação?
Haverá sempre uma Nelinha
para nos pôr todos na linha!
Haverá sempre um Gaspar
um sóbrio homem da razão
que acabou com o “deixa andar”
e vos pôs a comer pão!
Mas em casa onde não há pão
há carro para a mobilidade
um para o pai, um para a mãe, filho, filha e até para o cão
Autocarro?! Para quê tanta austeridade!
Parte V - do Crédito
“Mamã, compras-me um Mercedez
para as minhas voltinhas na cidade?”
“Claro filho, então o Barclays tem tantas redes
Eles só fazem caridade!”
“Oh, querido, já viu o novo Nissan Qashqai?
um jipe destes é tão janota!”
“Vai pedir crédito ao teu pai
que já somos enrabados pelo Totta”
“Mamã, os meus amigos têm todos carro
passo vergonha, a mamã não vê?”
“Oh queridinho, tudo menos autocarro
vamos já ao BCP!”
"Papá, quero um popó?
O papá só pensa em si!"
"Filha, ou aprendes a fazer bobó
ou então vais ao BPI"
"Cajó, olhe a casa da nossa vida!
Isto até é quase campo"
"Só se deres o pito dia-a-dia
é que pagamos a renda ao banco!"
"Oh Cajó, oferece-nos esta prenda
Já viu, e é tão boa a zona!"
"Com 1000 euros de renda
só se ficares a dar a cona"
"Cajó, e só hora e meia de Lisboa
Não veja a coisa como um tabu
Estou farta da Madragoa"
"Não dás tua a cona, dou eu o cu!"
Parte VI - das elites profissionais
Em casa onde não há pão
resta-nos apenas a prisão
e por muito que aí andes,
não terás o Sá Fernandes
Porque os crápulas estão na TV
Mas será que ninguém vê
a que chegou este cenário?
É que o Nabais está milionário!
Romeu Francês, ajudai-me
dou-te o ânus se for preciso
mas só depois da casa e das poupanças
e de ficar todo liso
E o pobre Duarte Lima,
Roubar!? Ninguém o faz
A polícia sempre em cima
e é tão bom rapaz!
Pobre Dias Loureiro
um homem tão solene
Não eras tesoureiro
lá para os lados do BPN?
“Eu sou médico, do clube dos mercenários
Dinheiro é o meu único termo,
É que os meus honorários
fazem do são, um enfermo”
“Falto de forma regular
pois a greve está na moda.
E ganho algum por fora
no consultório particular!”
“Faço esquemas com receitas
ganho o que me apetece
É que há muitas seitas
lá no SNS”
“Fiz juramento de Hipócrates
e faço abortos sem stress
só não fiz ao Sócrates
porque ele é do PS”
“Ah é para abortar isso?
Abre lá as pernas que ninguém vê
o que aí tens dentro é lixo
e isto é só uma IVG”
“Pai, mete-me lá no partido
que trabalhar está complicado
temos o país fodido
e um défice acumulado”
“No partido por enquanto não dá
Mas descansa que dou-te a mão,
Se não é lá é cá
há sempre lugar na fundação!”
E esse crápula do Barbosa
essa ralé que não vale um escarro!
É que há tanta puta airosa
que só dá a cona a quem tem carro!
Parte VII - da Pornocracia
E os alcoviteiros do Correio da Manhã
que todos os dias mancham alguém,
as páginas centrais são do satã.
Putas, há esse termo também!
Não lamentes, Angélica, o teu estado;
puta tem sido muita gente boa;
muita puta tem governado,
e há muita puta por Lisboa
Puta de papas, foi Marósia
e ainda foi mãe de dois
Mamou em muita hóstia
Primeiro o sexo, o amor depois!
É assim a juventude!
Primeiro o sexo, o amor depois!
“É tão difícil manter a retitude
com a mamalhuda dos caracóis!”
“Fiz os castings em três dias
Puta, modelo, atriz
Olha que tu não querias
ter feito aquilo que eu fiz!”
“Faço novelas de juventude
por paixão e por dinheiro
E faço o amor amiúde
com político e com banqueiro”
"Só não faço com paneleiro
que eles me olham sem tesão
e não têm tempo, estão o dia inteiro
a trabalhar para a televisão"
Parte VIII - Apelo Divino
Vem Senhor meu Deus
que este servo se Te ajoelha
sou governando por ateus
para os quais olho de esguelha!
Vem ao meu reino Gaspar
que já prometeste à Nossa Senhora
"Se Portugal se aguentar
a troika não nos penhora!"
Tens razão ó Passos Coelho,
Já não há respeito, ou louvor
até o mais pequeno fedelho
já bate no professor!
Pedradas à polícia,
olhem que já vi esta cena!
Foi da pedrada ilícita
que salvou Jesus, Madalena!
É que Ele morreu na cruz para nos salvar
Um Mestre, que de Seu corpo fazia pão
Agora resta-nos o Gaspar
Amén, a troika é a salvação!
E que ninguém me leve a mal
este meu sóbrio sermão
Ah meu Portugal
Já só espero Sebastião!
Tiveste o teu nobre Infante
e o padre António Vieira
o primeiro foi navegante
e o segundo.... leia
Vem D. Sebastião
que ainda hás de voltar
Só miséria e corrupção!
“Vejam, vem aí Vítor Gaspar!”
João Pimentel Ferreira
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Domine, scribens me libero