Depois da chuva a tarde se fez dourada
O sol debruando em vermelhos o vento que passa
E canta
Canta a canção
E entoa os versos candentes da ausência
Suspeitando do sentido da vida pouca
Da pouca vida
Dos parcos passos miúdos e urgentes
Cantam os pássaros outras razões
São melodia e compasso da tarde que se farta
De cores e sons e incandescentes vermelhos
A tarde flana na quietude dos jardins
E na presciência das flores nos jardins
Está tudo tão quieto...
Tudo tão longe
Este silêncio sem voz
Estes segredos agonizantes no ar
Esta pele perfumando a vida em volta
Esta esfinge que me inquiri incansavelmente
Estes caminhos remotos
Onde já não me sei
Quando já não me sou
Fecho meus olhos cansados de não ver
E sinto o ar difuso no labirinto das perguntas sem respostas
Respostas que não há ou, se houver,
São grades e colunas a sustentarem
As prisões erguidas sobre os campos de crenças e ilusões
Nada existe independente da sombra e da luz
Tudo é sonho e engano fora do Amor
Mara é o sonho vígil
De onde só há uma porta para a fuga
Arde no horizonte o sol poente e o enigma de todos os dias
Minhas mãos fugidiças
E úmidas da mais plena solidão
Selam os lábios à memória dos olhos negros
Que desde cedo me fitam
Que desde sempre me têm
Olhos que o amor primeiro pôs no barquinho de papel
Rumo à ilha que emerge nos pingos da chuva
Rumo às sombras abandonadas de uma vida pouca
Sentimentos poucos
Muitos medos
A ilusão que baste
Mas há a renitente expressão do amor
Ou do que fizeram dele
Há a indelével sombra do mar
A sombra do mar é o que as palavras não são
Sinto saudades do cheiro do mar
Da maresia
O intangível mar desenhando agonias na areia
Ouço o mar esbatendo os vermelhos da tarde
Ouço aqui, sozinho, a canção da tarde calma
A tarde é o momento cravado no vazio de um tempo ignoto
É pouca para o destino que os dias roubam ao eco dos caminhos
E é pouca a tarde para tanto amor
É pouca a tarde para o carinho
É pouca a tarde
Vaga e alheia
Escondida entre palavras distantes e dissimuladas
Encoberta pelo véu da indiferença
Onde o que eu sou é quase nada
Não fosse esta rosa branca no jardim
(Que só existe e floresce dentro de mim)