.
Gê Muniz
ESTES SÃO OS MEUS SANTOS
Oro sempre aos mais obscurecidos santos, justo aqueles pobres coitados menos divinos que tiveram uma vida carregada de orgias e patifarias e transitaram incautos entre risos e alegrias antes de tomarem o mais reto caminho de tornarem-se sérios e circunspectos, apenas lá no finzinho das suas vidas. Cultuo, em alto grau de devoção e fé, os beneméritos espíritos de meia-luz, os mezzo deificados, os que raramente possuem alguns poucos fiéis devotados. Creio francamente que eles entendam melhor os porquês de meus prazerosos pecados, de meus erros crassos, da falta de telhado em meus torpes desejos entocados, da minha preguiça, do orgulho afetado, do irretocável egoísmo, do meu extremo descaso e cinismo pelos mais fracos, do indefectível ar de superioridade... Com esses entes divinizados menores é que me entretenho em debates, rezando-lhes em meio a piscares de olhos entre as mordidas nas gostosas iguarias dos festins, a suplicar-lhes salvação, o corpo em suado desvario enquanto beijo bocas perdidas das mulheres mais bêbadas, libertinas, sensuais, ah, tão magníficas em suas irreligiosidades... São nessas noites compridas de bacanais em que verto vastas goladas de bebidas, fumo cigarros aos maços e abraço as prostitutas por vielas sujas, que mansamente multiplico os estragos da minha alma e a preparo para a redenção ou castigo. Não: nem reclamo, porque entendo do poder e da glória dos meus seres milagrosos. Eles sabem muito melhor do que eu sobre aquele especial e único momento em que a perdição é inapelavelmente sem volta, a derradeira hora em que terei de abandonar o tormento dessa tão louca vida de prazeres e, temente aos mistérios, finalmente ganhar os ares dos céus... É preciso compreender que, para os meus santos, não haja igrejas erigidas. Melhor se canonizados em lupanares e bordéis, porque imbuídos de uma sincera e divina fúria... Aos meus malogrados santos, quando posso, acendo imensas e coloridas velas para que nunca me faltem as palavras certas de cortejar mulheres nos bares e coquetéis. Pois é mesmo nessa vida que vou pecando como posso e do jeito que devo... - Mas, anunciem-me, meus santos quase-nobres, se puderem, se quiserem, das vantagens de se ter pureza d’alma, porque, se não quiserem, vão às favas!
Gê Muniz