Ali, onde se vê a água precipitar
rompendo suas condutas,
onde o fluxo é quebrado por sua queda
num lago de mármore,
havia uma humidade pútrida,
recolhida das águas da chuva
ou dada por uma máquina lenta
que era activada com custo.
Ali, onde agora as ruas ressoam
do murmúrio das águas,
os pés dos Homens estavam agrilhoados
por pedras escaldantes …
Agora, onde um largo rio irriga os verdes jardins, não há jardim algum a ser irrigado.
Dantes, a vila recolhia suas Águas
das únicas chuvas do Inverno, mas agora,
um fluxo Eterno lava essas vilas,
recolhe essas mágoas.
Ali, onde se vê a água lavar uma vila inteira,
por todo o lado, todos a bebem,
comprada a alto preço. Ainda mais, todo o lixo das casas, persistentes cheiros,
nauseabundos ao olfacto,
essas águas aos campos lhes levava.
Campos satisfeitos p’lo dom da humidade defumada …
E quando o Nilo inundava a terra dos Faraós de águas férteis, diante da recusa das águas do Ceu,
tal como os Egípcios não se ocupavam de invocações, suplicas, votos a Júpiter, também tu, antigamente, eras uma torrente quase seca e sem nome, chegando ao mar das tuas águas hospitaleiras, num susto profundo, pelo som do fluxo que se aproximava com medo que esse fluxo com ele te levasse.
E quando sentes a água subir na tua cama,
é o Tejo, aurífero, quem te despreza injustamente, ainda que atravesse os Povos afortunados honrando as vilas que alimenta dessas águas. E lá se lança nobremente no Oceano poderoso, enriquecido pelos dons do mar Vermelho
e das Índias … mas tu preferes-te a ti próprio,
contente do teu pequeno fluxo e da erva tenra
ao longo das tuas margens.
Agora, basta-nos ter a erva, mas talvez,
no futuro, ele recupere o curso das suas águas,
o canto misturado dessas arvores,
do rio e da brisa que irá inflamar d’amor os pássaros e os ramos pesados na sua inundação de vidro. Que eles cantem, e que jamais retenham nos seus cantos os olhos rústicos dos pastores!
Dizem que tal multiplicidade de pássaros,
de asas tão rasantes, voam nos bosques do Eliseu.
Lá, eles cantam com certeza, cânticos semelhantes,
mas com uma garganta tão pura que só os seus bicos abertos
revelam esse cantar.
Mas esse canto escapa aos ouvidos Humanos!
Apenas entendido pelas sombras afortunadas dos seus mortos!
Celebre por tais cousas, ficarás admirado,
e tuas águas irão te enganar com imagens maravilhosas.
Mas tu, por momentos, nas tuas margens revestidas
por ervas tão perpetuas, desprezas esses ramos que dão sombra,
e se algures as águas de verde estão pintadas
pela erva que ali cresce, também tu és esse verde sem desonra.
E hoje tomas a cor verde de outro modo,
escapando à mão do inimigo Espanhol,
mudando essa cor.
Também assim, nos desertos da Líbia, os pastores
sempre se enganaram com camaleões, humildes esses leões!
E a onda que esses chamam de vermelha toma o fundo desse rio, mas não é a sua cor, julgando o mar de forma errada por ter uma cor purpura.
Mas se se navega no mar vermelho com velas
de linho, elas tingem-se de vermelho à medida
que a montanha Lhes devolve o Sol.
E Se o barco se fixar curvado pela âncora,
também a água em si própria transparente se torna verde, e seu leito é a causa!
E depois de duras dificuldades em longa enfermidade, cantam-te, juram-te que és de essência tão saudável
e que teus peixes tem poder medicinal.
Assim, a ninfa que rastejava na areia e que antes era obscura e oculta, fechada do calor, quando no verão o curso das tuas águas
estava seco, também o frio dos Invernos rejeitava, triste.
Agora, é a mais célebre das ninfas Portuguesas.
Livre do medo, desce agora ou sobe além o curso desse rio sempre que o deseja.
Nem o frio gelado ou o calor escaldante a impedem
de usufruir de uma água tão amena.
A ribeira invernal está reaquecida por essa mesma água que corre em permanência da sua fonte durante o verão.
Não mais será animada por uma paixão vulgar
mas por um elevado Amor que a mantém firme
em suas tão nobre cadeias.
Ah! Quantas vezes tu quiseste que esse Amor deslizasse por baixo dos cobertores para que teu amante surpreendido pudesse aceitar as tuas lágrimas…
Mas por quem choras tu tão loucamente?!
Em quem alimentas tu esperanças tão vazias?!
Tu não sabes onde te precipitas em loucura!
Chora as tuas castas em pequenas lágrimas,
num tom de imploração, rezando,
para que as tuas águas murmurem por toda a vila
através das Idades, e que os poços desaguados,
permaneçam abandonados.
Reza para que esta água corra, útil a santos
e doentes…
E pelas lágrimas do jovem povo encalorado,
se construiu este aqueduto!
Mas a obra ficou inacabada, e um rei, descendente de grandes reis, capaz de conquistar os povos conquistadores, diante de quem tremiam os Orientes, e tantos outros povos,
nasceu para seu país e não para si próprio …
“Padre João”, quem encontrará palavras p’ra te louvar?!
Que canto podeis vós não merecer?!
Óh rei digno de um alto Deus!!!
Desolo-me quando vos canto p’la falta de vigor do meu talento. Sois o começo e sois o fim deste meu canto, e morrendo, vos cantarei ainda mais de voz frágil e inacabada.
Mesmo que seja arrogante admitir votos para mim, que Eu viva, Eu, “Sylvius”, de teus tão altos feitos!
Ricardo Louro
no Estoril
IN La Rome de D. Miguel da Silva (1515-1525)
de Sylvie Deswarte.
Lisboa, Academia das Ciências, 1988.
Poema traduzido do Francês para o Português pela Astrologa e Poetisa Maria Flávia de Monsaraz, adaptado por mim.
(D. Miguel da Silva e Menezes nasceu em Évora no Solar dos Condes de Portalegre, filho segundo dos Condes de Portalegre, homem inteligente que viveu na corte do vaticano e que morreu expatriado pela inveja de D. João III a quem D. Miguel apesar de tudo muito admirava por ser seu Rei. O Cardeal Viseu morre longe da sua terra, riscado, banido das suas raizes, da sua gente, da sua Pátria. Morre em Itália aos 76 anos de idade como um Cardeal Italiano.)
Ricardo Maria Louro