VOLTEM PARA MIM
Malditos fantasmas das emoções desditas, das impressões esquecidas, desprezadas, abandonadas pelos arquivos da vida, há muito desgarradas de meu seio. Atentem, dejetos mornos, em exílio, trancafiados em masmorras de repulsa. Fina moagem de escória: quero resgatar-lhes em seus momentos de desgraça e inglória, uma vez foram completamente alijados da minha história oficial. Venham cá receber seu justo quinhão. Retornem-me nos antigos constantes tremores de pernas, nos fraturados gemidos, nas cortantes trajetórias de hesitações, nas intrigas inimigas, nos indesejáveis pruridos. Deteriorem em feridas nos meus dedos, corroborem com os desvios de destinos, com os torpes desenredos. Regressem-me seus medos, do pavor do beijo roubado ao falso orgulho, depositem-me o fútil enlevo, por fim a estapafúrdia perda de tempo. Devolvam-se cá a este ser esse desprazer de incomodar lento, faltando em intento, revertam-me a desmemoria. Renove-se a associação com a antiga escória, dos ridículos títulos, das folhas alijadas do trevo. Reescrevam-se as passagens de mensagens insensatas em debochados risos, em homéricas fugas, em profundas rusgas. Ecoem por toda casa as torpes conversas em família, as armadilhas, os almoços de guerrilha naquela mesa de alvoroços. Sentem-se mais uma vez os sentimentos velhacos, as facetas de maus moços a discutirem heranças por asquerosas brigas. Apossem-se desta vil moradia só para poderem rechaçá-las em gargalhadas nas terapias. Aonde, digam-me aonde estão os bravos e inúteis cães das vinganças que forraram de merda os meus dias? Pois saibam todos vocês espectros vadios, erradios, longínquos das emoções vira-latas, escorraçadas - Agora estou pronto. - Preparado para, enfim, num único e derradeiro ponto-de-encontro, encará-los. Venham pois fortes, renovados. Reapresentem-se. Assentem-se apaziguados, submissos, cabisbaixos, relaxados. Voltem a esse lar todos os proscritos, meus pródigos filhos paridos, involuam de onde nunca deveriam ter evoluído. Quero-os todos redissolvidos em mim. Que apenas aqui neste meu peito esvaziado, impaciente, nesta mente que almeja um retorno à inocente decência poderá, em paz, esta corja, por fim, desfalecer na força recriadora da minha vontade absoluta, para todo o sempre.
Gê Muniz