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Gê Muniz
TARDINHA
Sento-me sobre a pressão do dia inacabado. Muita água rolará ainda levando de roldão o mágico transcorrer da tarde, em especial esta (bem, todas são!) deverá ser. Que tardinha luzidia... Invejo alguns nobres privilegiados que poderão sorvê-la, degustando-a em sorvetes, turbilhões, visões. Calorosa tardeza linda... Mas aqui vou eu. Envolto a tapumes acinzentados, situo-me sentado, rodando cadeiras, cercado de pressas. Ao bem das tais tarefas procuro retirar-me destas ensoalhadas idéias. Controlo os volumes dos ouvidos chiando, clamando por liberdade e endireito a cabeça para concentrar-me em inúteis e chatos conchavos. Porém, da janela aberta sobrou-me a percepção de um parco, acanhado quadrado, tamanho suficiente para atestar que, afora, a tarde flui generosa, clara, refulgente, entre os edifícios assobradados e além deles. Orgulhosa, recusa-se a cientificar-se das aflições deste pobre encarcerado, percebendo o mundo de dentro aqui, de dentro de mim. O fato inevitável é que sempre sonho. E o sonho sempre foge ao meu controle. Devaneios trocistas, estes, encobrem-se em meio à púrpuras rosas esgueirando-se por moitas, valas e mateiros... Desprendidos já de minhas vistas brincam insensíveis a seu dono sob raios solares deliciosos, vesperais. Impotente, deixo o sonho ser levado a levar-me. - Vá então! Cumpra-se o destino de ser destrambelhado, encantado, arteiro, menino... De alguma forma nem que de inesperado uniremos nossos destinos, você pulando nas tardes, eu ansiando por você aqui dentro, trancado, a fantasiar que, finalmente, tornei-me esse moleque ladino, ensolarado...
(Gê Muniz)