Descobri que havia tempo que eu não respirava fundo quando puxei o ar com força pra dentro de mim e senti as costas e o peito doloridos, parecia que o corpo havia se desacostumado com aquele esforço quase trabalhoso. Eu não sabia mais arfar os pulmões em plena vida, de alívio ou de descanso. Há dias minha respiração era curta e breve, apenas o necessário para sobreviver, como quem respira por um orifício muito pequeno ou por uma fresta muito fina, alguém soterrado ou trancafiado, um claustro que só me permitia respirar e mal. Repedidas vezes exercitei a respiração alargada até notar o tórax inteiro flexionado a acostumar-se com o movimento vital e não mais doer.
Ocorreu-me o pensamento de que era Ano novo e o primeiro dia do ano me trouxera o que todas as manhãs nos oferecem: desejo de mudança, de fazer melhor, de realizações, esperança esverdeada, tudo muito novo. Lembrei que na noite anterior, enquanto tentavam implodir o mundo explodindo lá fora fogos de artifícios, no momento exato que os relógios marcaram a hora zero, eu estava tomando banho. Creio que pra me lavar de 2012, como se ele houvesse me respingado de alguma impureza, ou se eu tivesse me deixado usar por ele, me lambuzado e agora tudo que eu mais queria era me limpar pra novas expectativas pra um ano recém-chegado, bom e limpo.
O instante seguinte foi pegar um filme antigo que há muito eu tentava assistir e sempre ficava pela metade, um livro de Jonh Fante e o desejo imenso de concluí-los e viver pedaços do ano anterior que eu havia deixado para trás. Conclui o filme e iniciei a leitura do livro, fiz promessas pessoais de ser infalível nos compromissos, de não permitir nada pela metade nem pra depois, dizer o que sinto e não usar de auto piedade, não barganhar amor por qualquer outra coisa que não seja de valor igual, e buscar não elevar a importância dos outros acima da minha e do que sou. Intimamente eu sabia que era tudo mania de quem tem algo novo nas mãos como, quando crianças, prometemos cuidar bem do nosso material escolar nos primeiros dias de aula, mas ao passar de alguns meses o que mais queremos é nos livrar dos cadernos e livros sujos e amarrotados que, por um descuido, deixamos de lado.
Acontece que prometemos demais aos dias e aos calendários. Marcamos datas demais para as mudanças e mudamos de menos ou pelo menos não reconhecemos o que, gradativamente, nos renova. A próxima segunda-feira, o dia primeiro de janeiro, de cada mês, do próximo semestre, o dia seguinte após o aniversário... Temos nos prometido tanto, definido o dia exato para nos refazer e a mudança não vem. E não virá mesmo! Enquanto acreditarmos nela como mudança de casa ou de roupa. É porque nos prendemos cegamente aos calendários, é também porque nos tratamos como mais um compromisso com hora e dia riscados de vermelho, a urgência das agendas não nos permite sentir novos dias, novos ares, manhãs de sol, fins de tarde e noites aconchegantes por dentro e por todo lado.
Mudar, refazer-se, livrar-se daquilo que nos “atrasa” é todo dia, não cabe no tempo nem nas folhinhas, é infinito...
Deixamo-nos intervir demais por projetos alheios, pelos interesses que não são os nossos nem nos ajudarão a realizar nossos sonhos. Ventos súbitos nos desviam todos os dias do foco de nossa caminhada e do bem que queremos às novidades que nos chegam.
Lute pra que todos os dias a sua respiração seja amplificada, pra que você nunca se sinta dolorido no peito e na vida, pra que você não acumule gente incompleta, filmes pela metade, livros apenas com algumas páginas folheadas, sentimentos sufocados/sufocantes, aqueles que cortam seu ar durante dias. Não adie planos nem conclusões.
Adiar é acumular, é endivida-se com juros altos, juros múltiplos. Bolas de neve não combinam com nossos dias de calor mortífero. Evite-as.
Liberte-se da mediocridade, feche o livro só depois da última página lida, depois respire alto, largo e fundo. Sem dor. Sendo.
Feliz Ano Novo.
Raule de Sousa
Iguatu/Ceará/Brasil
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