Já me cansa tanto Natal entornado no chão a pingar intermitências de luzes. Bonecos de barbas brancas e ar bonacheirão pendurados nas janelas das casas e no interior das montras. Muito longe da chaminé que a fábula conta. Mas quê, já não estão para enfarruscar a boniteza da fatiota encarnada nem para correr o risco de assustar as renas com o negrume, evitando que o mesmo as levasse a desatarem numa correria tal que era bem capaz de arruinar o Natal, quando dessem conta de que tinham aterrado lá mais para a frente, bem no meio da folia do corso do carnaval. De maneira que, nada de chaminés nem de apertos escusados por becos embodegados e escuros, ainda por cima à meia noite!
Noutros anos comprava-se quase tudo o que os olhos cobiçavam com os cartões doirados que os bancos impingiam e ficava-se com o espírito inchado até mais não, como mandava a nova tradição consumista. Este ano, pelo que tenho visto, a tradição continua a levar as pessoas até aos sítios da desgraça, visto que estão a abarrotar de gente que se estorva e se demora à frente das montras, alguns até entram e miram e apalpam o artigo, levam-no para as casinhas de provas e vestem-no a ver como fica, mas o que fica é a vontade de o levar visto que a carteira já está vazia e os cartões doirados já só ali estão para vista.
Lembro-me de outros natais, que tais em nós nem existiam. Por isso, contentava-se a alma a ver os natais dos outros, que começavam todos os anos com a excitação que em nós crescia com a simples chegada dos que vinham de Lisboa e ali eram os nossos vizinhos do lado e meus padrinhos de baptismo. No dia seguinte, a escolha do pinheiro que na sala deles se vestia de bolas encarnadas, amarelas e verdes. Uns cordõezitos de fitas doiradas e prateadas em toda a volta e por fim as luzes a piscar noite e dia ao canto da janela, que nós espreitávamos da rua e sentíamos ali um não sei quê que também nos pertencia... fora isso e as filhós da minha mãe, mais nada a acrescentar ao facto assinalado na última folha que restava do calendário pendurado na parede, entre o quadro do preso a ser abraçado pela mulher com o bébé ao colo e o relógio que ás vezes adormecia por falta de corda.