Aos sábados, finalzinho de tarde, eu sabia quando era dia de visitar os amigos dos meus pais.
Minha mãe escolhia o vestido que colocava em cima da cama, as meias por sobre ele e os sapatinhos de pulseira em verniz arrumados juntinhos, para que eu me vestisse depois do banho.
Eu olhava, desconfiada e desanimada àquele lindo vestido azul céu, de organdi bordado em ponto-sombra durante meses pela minha mãe, e que tinha um enorme laçarote atrás.
Ele era torturante! Pinicava tanto, apertava nos franzidos do elástico da manguinha bufante e era quentíssimo!
Depois viria o martírio dos cabelos penteados, puxados, trançados e outro laço azul enorme combinando com o vestido. Cabelos tão esticados pelas tranças que quase me transformavam em chinesa...
Sabia que era dia de ficar quieta, não correr e nem gritar, não sujar a roupa e menos ainda, para minha maior tortura, não aceitar mais que um dos gostosos doces ou guloseimas oferecidas pelos donos da casa.
Ah coisa difícil! Tudo de que eu mais gostava!
Como ficar sentada quando um dos amiguinhos propunha um pique de esconder?
Lembro do olhar “trinta e três” da minha mãe quando eu impaciente, sentada no sofá, ficava balançando as pernas que não alcançavam o chão. Era parar rápido ou haveria confusão em casa depois...
Só um olhar bastava!
Se isso não bastasse ainda havia aquele aperto no braço, sutil, ao qual eu invariavelmente punha à descoberto:
_ Ai mãe, eu não fiz nada!
Então vinha a bandeja, a causadora dos pesadelos.
Criança não toma café era o que ouvia em casa. E o café vinha fumegante, cheiroso, soltando espirais de fumaçinha, das pequenas xícaras de porcelana estampada em florzinhas cor-de-rosa. E ao lado das xícaras, o bule de café, e o pratinho de sequilhos ou mantecal.
Humm, os mantecais, em formato de pequenas luas, ursinhos, estrelas...
Eu fazia cara de anjinho faminto e sempre ganhava mais um!
Um dia eu dei um jeito de escapar! Fui saindo de mansinho, ora encostada no sofá, depois no canto da sala, e depois no portal da rua. Consegui enfim minha liberdade e saí para o mundo! Entrei na brincadeira do pique como se fosse o último dia de brincar na vida!
Estripou-se o laçarote do cabelo, e o rosto vermelho das correrias sem fim queimava feito fogo.
Então alguém me agarrou para que eu não chegasse ao pique; agarrou-me pela saia do vestido de organdi! E os metros de franzidos se desfizeram como se fossem papel, soltos da cintura apertadinha! Um enorme buraco se fez, e o pano se arrastava pelo chão!
Meu Deus que medo eu tive!
Sabia que iria apanhar quando minha mãe visse!
Só me lembro que passei uns dois dias com o bumbum dolorido das chineladas que levei.
Adeus pique de esconder, adeus escapadas furtivas!
A sorte de tudo aquilo foi o vestido ser aposentado, para alegria das minhas sofridas axilas...
Das próximas visitas eu seria mais policiada, mais cuidada para não “envergonhar” minha mãe.
Criei meus filhos da mesma forma...
Enquanto contava essas lembranças, telefone em punho, à uma amiga querida, o meu netinho passeava só de frauda e sapatos pelo espaldar do sofá.
Olho sério para ele. Um olhar “trinta e três”.
_Pedro, de sapatos no sofá novo da vovó e com uma esferográfica na mão?
Ele continua pulando!
_ Ora, menininho levado, não faz mais isso não que a vovó fica triste!
Ele sorriu, jogou um beijo e subiu na mesa de centro.
Ai, ai... Sinal dos tempos...