No rio hierático e cativo da poesia
dormitam todos os sonhos que
eu não soube sonhar
cabem todos os sígnos
e tantas outras palavras cuja
simples expressão faz o
tempo difuso flutuar
e os dias e as noites
perpassarem implacáveis
nos vales onde correm e soluçam
as águas perenes e avermelhadas
dos rios que choram e suspiram
ao ouvirem as pétalas dos versos
que caem
e pelo perfume da névoa umedecendo
o sussurro da aragem ondulando
no bambuzal
Nesta brisa soprando nas noites azuis
evolam-se estrelas deitando fagulhas
ao vento
urdindo nuvens de algodão
e abrindo o remanso onde cabem os
meus silêncios quietos e vulneráveis
cabem estes ecos de nostalgia
e aonde acorre meus olhos
buscando teus passos nas
tardes iluminadas pela ternura
transparente e comovida de um sol
caminhando para a noite sem sono
e onde uma lua derramando prata
admira na inquietude da madrugada
os sinos a dobrarem as horas
e a voz do vento doce e distante
Nesta chuva turva que embaça o dia
lanço barquinhos de papel
Ouço saudades tamborilando no telhado
no plim plim plim dos pingos pingando
É final de primavera
O ypê já floriu e suas flores pequenas
cobriram o solo em sombras amarelas
brancas luas
ametistas roxas
A noite treme sobre o mar
e o vento recita versos solitários de sal
e séculos na noite que freme sobrer o mar
No poema que se abre e fere a tua lembrança
morre um menino
pequeno viajante de tempos e de sonhos
tão pequeno e já envolto em solidões
tão pequeno para a angústia dos séculos
corpo sem alma
guarda sua lata de barbante e areia
para o incognoscível amanhã
Nestas mãos que amalgamam o ar em busca
de desertas madrugadas
cabem o anjo
e o aroma angelical dos jasmins
cabem a voz da flor
e a aurora que resplandece em ouros e azuis
Nestas mãos que tocam o noturno escuro
e vário
e que tocaram teu rosto
enlaçaram a tua mão
acarinharam teus cabelos
acenaram um adeus no vento triste de uma
tarde sem nome
nestas mãos ficou a nívea flor dos teus seios
e todo o lento silêncio que embebe a poesia
Estas mãos,
molhadas pelas chamas das lágrimas,
não sabem da saudade que
eu sinto dos caminhos que andei
sob espelhos
A imagem invertida fazia voar meus pés
Estas mãos...
Estas mãos não sabem da saudade que
eu sinto da noite negra dos teus olhos
Nem estas mãos
nem os anos todos que passaram,
nem as estrelas que cairam sobre o
caminho de pedra
enquanto eu te esperava
nem as noites
nas quais teu beijo não era meu
E na rua, entre teus braços,
a noite escondia a eternidade
A lua, lírica esfera sob o pêndulo negro
do céu, vestia de cinza o extenso mar
cortado pelas ondas e entregue às terras
pelas marés
As águas erram na penumbra indecifrável
que a tua ausência deixou
e levam consigo as canções e os versos,
sem métrica e sem limites,
com os quais te amei