Contos : 

Ezekiel e a Tenda de Estrelas - PARTE 1

 
Tags:  A Cronicalia    Bruno Prata  
 
A Cronicália
Apresenta:

Ezekiel e a Tenda de Estrelas

Por
Bruno Prata Stano


Parte Um

“Papo de irmã, duas pizzas, bruxaria, desencontros, uma pedra, um feiticeiro, um gigante e uma gata do tamanho de meia caixinha de fósforo.”




A nossa estória começa outro dia na casa da minha irmã do meio



-Ana!
Ana Lúcia atende a porta! Sou eu mana!

Gritei batendo na porta

Ana atende de cabelos emaranhados, olhos inchados, braços vermelhos de sei lá o que, lábios mordidos, toda molhada de suor num pijama rosa desbotado cheirando a mofo e veneno contra traça.

Jogada em meus braços ela chora

- Ele era diferente Silas! Eu e Ezekiel nunca brigamos neste um ano de namoro, ele sempre foi compreensível, resolvemos tudo na conversa, e então ele sumiu! Simplesmente sumiu! Desapareceu do nada! Ou sequestraram ou mataram ele! Só pode!

- Calma, deixa eu chegar direito

Sentei no sofá enquanto ela fechava a porta tremendo da cabeça aos pés;
Então perguntei

-Se você está tão certa de que o cara não deu no pé e de que realmente sumiu assim de repente, então certamente você já avisou a polícia a uma altura dessas não?

- Claro que avisei, mas sem novidades, contratei até o Haroldo amigo do papai de muito anos que é detetive lembra dele?

Logo pensei comigo que eu nunca esqueceria daquele mentiroso pois por algum motivo ele deixava meu pai chateado muitas vezes.

- Claro que lembro, ele vivia nos contando casos e a mamãe sempre fazia careta atrás dele.

- Pois é, lembrei dele e ele está me ajudando bastante, me liga todos os dias durante a tarde e de noite, mas ainda nenhum sinal concreto do Ezekiel.

- Então não é sequestro né, já que ainda não ligaram para pedir resgate.

- Não sei Silas, nunca se sabe!

- Com o que ele trabalhava?

- Ele é astrônomo! Poxa já tinha te contado isso seu lesado! Faz um ano que estou com o cara!

As pessoas falam isso como se realmente vivessem trezentos e sessenta e cinco dias de suas vidas, mas claro que não falei uma bobagem dessas;

- Foram tantos namorados mana! Esqueci o que este fazia! Fazia uns cinco meses que não nos falávamos! E por que você acha que sequestrariam ele?

- Não sei, mas um amigo dele havia sido sequestrado meses antes! Sei lá, agente acaba querendo pensar em tudo.

- E a família do rapaz?

- Tá apavorada né! Lógico! Ninguém desistiu estamos todos na busca!

Daí eu senti o drama

-Caramba, foi mal mana eu não sabia que era tão sério.

- Pois é, claro que é sério, estava tudo certo entre nós a única coisa diferente que ele andava fazendo ultimamente e que também não tem nada demais, era escrevendo todos os dias deitado na cama antes de dormir, mas o que realmente me chamou atenção mesmo é que não eram coisas sobre astronomia, quer ler a ultima coisa que ele escreveu?

Imagine só se eu não queria?

- Lógico que quero! Se quiser mesmo me mostrar...

- Quero mostrar sim, é bom que outras pessoas leiam para que eu ouça outros tipos de interpretações, alguém com certeza compreende coisas aqui que não consegui decifrar, talvez seja fantasia da cabeça dele, estivesse apenas escrevendo poemas.

E minha irmã me trouxe um caderno de brochura amassado com garranchos borrados, aberto na ultima página onde estava escrito:

“Conheci um povo que mora em tendas feitas do céu estrelado, só é possível encontra-los quando uma lamparina se acende de dentro de alguma das tendas ou quando algum gato ou coruja nos mostra o caminho.
Apenas é convidado a entrar na tenda aquele que nunca acreditou numa estória, e eu já fui uma destas pessoas.

Mas não vou contar minha estória
Prefiro contar o que se sente dentro e fora da tenda
Tão pouco importa a estória daquele que não acredita em estórias
Não começa nem termina
Só nasce pra morrer sem graça alguma da vida
Só serve para explorar jardins sem conhecer florestas

E eu sem morder nem cheirar
Passava a vida dormindo acordado
Sonhando com promessas e chaves para a liberdade
Quebrando janelas de escritório
Enquanto via o mundo pagando por ruínas

Pagando por promessas

Atestados solitários de desculpas esfarrapadas
Pássaros enjaulados cantarolando liberdade
Lutando junto ao vício do preconceito
Custando-lhes a busca da liberdade;
E o sonho de ser feliz
A conquista de esforços rastejantes
Que por mero acaso de algo lhes nomeia perito
Hasteando a bandeira da responsabilidade bem vestida
Em nome de um progresso morto e vingativo
Seco dentre os livros
Queimado com florestas
Torrado como as cobras e os ratos

Jaz na velha candeia da gratidão e do Amor ao próximo;
Toda felicidade prometida de alguma época;
Toda a superstição perpétua
Os enigmas da morte
As respostas sobre a vida
Respostas que vendem perguntas
Perguntas que pedem socorro aos que vendem respostas
A compostagem da convivência
Aonde por fim tudo se extingue;
Aonde por fim Tudo renasce.

Os ensinamentos transmitidos nas tendas estreladas são honestos como o vento
E nos damos conta de sua consequência depois que ele passou;

As tendas cheiram a frutas estragadas, sândalo e graveto decomposto na terra molhada.
A iluminação é alaranjada como que de uma lamparina de moranga
E sombras dançam como se surgissem da luz de relâmpagos de tempestade alguma.

Quando entro na tenda ouço o som do deserto
Sinto o cansaço de uma longa caminhada
A sede da boca cheia de areia;
Trazendo de longe um leve salgado dos grãos que um dia habitaram o mar.
“Até o deserto convive com lembranças”
Camelos sonolentos...
...passos esperançosos das caravanas.

O Sol testa meus valores cozinhando minha pele e meus órgãos
A Lua enobrece minha alma, deixando-me pequeno como um rato
Silencioso como a coruja
Desperto como o dia

E como se não bastasse o meu cansaço
Dentro da tenda por detrás de uma canga pendurada como cortina encontro uma ladeira que me sorri descarada, e diz chamar-se Morro do Inhame.

Sentado numa pedra está um homem com chapéu de três pontas que esconde seu rosto, segurando uma placa onde está escrito:
“Devemos subir morros antes de contornar destinos”

Senti que fiquei com cara de inhame
E fitei o morro;
Apontando para o céu
Aonde o topo não se vê.

Quase parece que não existe um aonde
Mas o “aonde” está lá

E depois do aonde tem uma ladeira que desce
Como as costas de uma sereia
Como uma gota de suor...
...No oceano de um morro pelado;
Que abriga um céu cheio de estrelas;
Um sol sem sede e sem dó;
E nuvens amigas de um descanso ligeiro,
Sob a modesta sombra da goiabeira.

E ao sentir o gosto do suor, lembrei sem saber e sem lembrar que somos feito da mesma matéria que o mar.

Levado pelo vento
Chego ao Aonde
E o Aonde mostra o dorso da sereia
Aliviando meus tormentos
O Aonde é o topo da bela vista
Que me liberta do suor
Que garante a minha paz
Que afasta os solitários do medo e da solidão
Traz esperança aos sonhadores
Mostra os valores e os coloca em jogo aos pecadores de si mesmos;
Dando assim aos desperdiçadores da vida a chance de não se perder mais.”

Putz, o cara é poeta, mas terminei de ler com algumas opiniões e perguntas óbvias;

- Gosto sobre o que ele fala, a busca dos sonhos, pessoas pagando por promessas, progresso vingativo, respostas vendendo perguntas, subir morro antes de contornar destino, só não saquei bem a coisa toda da tenda e esse tal de morro com clima desértico. Por onde ele andou viajando ultimamente?

E minha irmã responde de forma decorada

- Ele vai daqui pro trabalho ,do trabalho pra banca, da banca para locadora da locadora pra casa. A ultima vez que ele viajou foi comigo para a casa da mamãe em Andradas.

O cara é paradão, é claro, poeta, astrônomo e paradão, não é de se admirar que alguém que tanto olha para as estrelas seja um poeta e um paradão que fantasia mundos além do dele, mas daí minhas opiniões sobre o paradeiro dele diminuíram, e perguntei francamente

- Bom, daí complicou, ele andava tomando algum remédio, usando qualquer porcaria que ferrasse a cabeça dele?

- Nada! O Ezequiel abomina remédios e nunca teve problemas de saúde.

- Você já foi até o trabalho dele é claro né? Entrou no escritório e tal?

- Claro que não! Quem fez isso foi o Humberto e alguns policiais, me mandaram depois algumas caixas com tudo que tinha no escritório dele, Humberto me garantiu que viu o escritório vazio.

A minha irmã confia até numa televisão, quem dirá no tal do Humberto; Então respondi indignado

- Você ainda não foi até lá falar com nenhum amigo dele? Confiou tudo no Humberto e na polícia?

Ela é claro que já se armou com cara e tom de indignação;

- Silas! Mas é claro que eu confiei em profissionais! Não sou detetive! Nem você é! Não somos a lei para ficar interrogando as pessoas!

- Há é? E quem disse que não estou te interrogando agora?

- Haaa mas é diferente! Somos irmãos estamos conversando!

- O Aninha, sério, podemos ir lá no trabalho dele rapidinho? Falar com algum amigo dele, ver o escritório dele.

- Escritório? Depois de quarenta e dois dias?! Óbvio que já tem outra pessoa ocupando o lugar dele!

- Talvez seja esta pessoa mesmo que devemos conhecer.

- Irmãozinho, sem dúvidas o Humberto já falou com esta pessoa e todos os amigos possíveis do Ezekiel e não conseguiu nada. O trabalho dele foi um dos primeiros lugares que a polícia investigou.

- Pouco me importa a lei e o Humberto, eles tem a desvantagem de estar trabalhando e nós não, nós temos a vantagem de não estar fazendo isso por serviço.

- Qual a vantagem nisso?

- Faremos com mais vontade e perseverança é lógico, não temos horário pra cumprir e nem família pra alimentar com um salário pequeno num emprego que se coloca em risco a própria vida. Somos mais pacientes que a lei e podemos raciocinar muito mais juntos do que qualquer Humberto ou qualquer investigadorzinho de merda.

- Isso! Perfeito Silas!
Você realmente conseguiu provar que é uma criançona que acredita em toda besteira que seu amigo imaginário fala, dá um tempo irmãozinho a polícia e o Humberto estão fazendo o trabalho deles muito bem, cabe a nós rezar e ficar atentos a novidades, ando distribuindo cartazes e fazendo camisas com a foto dele para dar aos parentes e amigos, você deveria me ajudar nisso ao invés de brincar de detetive.
Como você pôde envelhecer de idade e continuar tão tonto como a criança avoada que sempre foi?

- Eu o tonto né, então tá, vou lá usar a camisa do seu namorado então junto com seus amigos, agora dá licença que eu vou pedir uma pizza.


Mal sabíamos naqueles dias que nós é que estávamos perdidos num mundo de fantasias, cegos como toupeiras que assistem mentiras e comem como urubus.





Enquanto isso na Tenda de Estrelas...


Um feiticeiro junta ingredientes com a ajuda de seu servo de cinco olhos, para criar uma caixa mágica que gera uma porta que dá em outra porta que por fim dá em duas portas que terminam nas mesmas duas portas anteriores gerando assim um corredor de repetição do passado e do futuro

- Dois dedos de Homem Planta, dois Macacosapiens secos, dois morangos cantores e meio, três Girafáceas sem pescoço pra dar equilíbrio, uma Zebrálea preta para ficar correndo em volta do caldeirão, sete olhos vivos de aranha laranja da floresta suco, um tornozelo fujão, duas portas de repetição do espaço tempo, uma poltrona saltitante, Pimposo tu tá anotando tudo?

- To sim chefinho

- Vamos precisar disso completo até o horário estar naquele tempo aonde se diz para estar pronto e os ponteiros estiverem naquela posição e os sóis atrás daquele morro em formato de joelho de moça gordinha!

- To sabendo chefinho

- Eu gosto muito que esteja sabendo Pimposo! Aliás! Temo que devemos nos preocupar com estes novos argumentos contemporâneos que carregam muitos “já seis” e que atrapalham meu pensamento e os momentos em que eu deveria estar sabendo de algo ou pensando em algo que deveria estar pensando quando soubesse de algo! Acaba que não começa então nem tem por onde acabar viro uma baratácea tonta! É nessas horas que eu digo Pimposo, que isto tudo vale a pena e que somos o tesouro desta preciosa terra! Você não concorda minha amável estupidez?

- Certamente chefinho! Concordo pra valer.

- Você colocaria algo em prova por minha pessoa Pimposo? Confia mesmo em mim? Sacrificaria um de seus cinco olhos por mim?

- Sem dúvidas chefinho, isso assim Pimposo faz!

- Você não deve fazer isso Pimposo! Deve ser amigável com nossos visitantes! Eles gostam de comprar lembranças e de dormir quentinho! Você precisa de todos os seus olhos no devido lugar!

- Com certeza chefinho! Pimposo cuida!

- Assim que eu gosto meu companheiro, confiança, confiança e equilíbrio que é algo importante mas que ainda não me lembro muito bem aonde deixava isso agora! Gosto disso!
Ah, o ar puro das Tendas! O desequilíbrio de meus tornozelos, as poeiras de estrelas varridas espalhadas pela imensidão da paisagem, noite e dia. Tudo isso me traz o cheiro da casa amanhecendo, e do orvalho nascendo numa curva inesperada aonde o acaso fez sua trilha entre as flores do campo Real da Beleza Infindável.

Eis que então uma pedra grandalhona se acende como se fosse iluminada por de dentro com uma cor alaranjada, soltando um alarme tão escandaloso que quase fez parar os dois corações de Pimposo e o incansável e milenar coração de Theadoro o Senhor dos Desmemoriados, que num salto triplo exclama;

- Mas que coisa é essa??? Isso sempre esteve aí Pimposo? Sempre fez este barulho e estas luzes horríveis? Que diabos acontece com esta pobre pedra Pimposo? Quem soltou isto aqui?

- Pimposo tem certeza de que esta é a campainha chefinho, avisa quando chega alguém.

- E isto já havia acontecido antes? Estes alguéns já haviam me assustado assim no passado?

- Já sim chefinho, nós dois igualzinho, parece até o desenho do peixinho que eu já vi um monte de vezes e é tudo igualzinho toda vez! Até as falas!

- E o que aconteceu depois? Deixei a pessoa entrar?

- Deixou sim chefinho, quando a Zara ou a Tarot traz alguém, você sempre pode deixar entrar.

- Como você pode saber dessa coisas Pimposo?

- Pimposo já falou que viu um montão de vezes essa historinha chefinho.

- Pois bem, aonde é a entrada Pimposo?

- No céu chefinho, o senhor olha pra pedra e faz uma rima como costuma fazer perguntando quem traz quem, e daí o senhor permite e a pessoa entra ali pelo céu.

- Tá, tá certo;

Theadoro então dá uma leve e delicada pigarreada ajeitando seu longo chapéu pontudo e sua exagerada gola de seu longo casaco diz;

- Pois então dona pedra, tu que de tão dura jamais saiu do lugar, por favor me diga quem agora está a se aproximar?

Então a pedra num tremor de dentes de pedra resmunga como um sapo com a boca costurada;

- A felina Zara traz um humano autorizado chamado Otávio, ó senhor dos desmemoriados Theadoro o Velho.

E Theadoro responde;

- Pois bem dura e disforme companheira, diga a eles que se aproximem, pois agora achei uma pedra bem quentinha para sentar e daqui não saio tão cedo. Espero não estar ofendendo nenhum amigo ou parente seu sentando sobre ele dona pedra.

E a dona pedra responde paciente e educada

- De forma alguma milorde, fomos feitas para isto também.

Então o céu se abre entre poeiras de estrelas que girando velozmente formam uma conexão com o chão, trazendo com a forte luz uma gata anciã confiada pelos Deuses chamada Zara e um homem assustado chamado Otávio, que de olhos arregalados corre desesperado em direção a Theadoro pedindo por socorro;

- Finalmente uma pessoa normal! Pelo amor de Deus me diga aonde estou! Aonde tem uma delegacia? Um telefone?

Então Theadoro também pede socorro e dá um salto para trás antes que Otávio agarre-o pelo avantajado e bem passado colarinho, gritando enlouquecido;

- Socorro! Alguém coma este terráqueo eu não sei do que ele está falando! Pimposo corte a língua dele! Fure os tímpanos dele com o laser tetragonal!

Então de uma porta na grande pedra sai Apopeu, o feiticeiro da mão descontrolada que dando um salto assustador diz para Otávio;

- Rápido pegue na minha mão!

Zara, a sábia gata anciã que até então não havia se manifestado, alerta Otávio;

- Eu não faria isso se fosse você, esta mão não sabe o que faz.

Otávio apavorado olha para Theadoro novamente e ouve Pimposo dizendo;

- Eu não quero cortar a língua dele chefinho, ele não fez nada de errado e tem cara de doente. Parece leite de Mormacratua azedo!

Otávio olha para a mão ainda estendida e para os olhos do feiticeiro Apopeu que diz;

- Não perda tempo! A pedra vai se fechar!

Então os olhos de Zara brilham um amarelo intenso e suas orelhas deitam para trás, arrepiada e rodeada de uma névoa que surgiu para lhe proteger, ela então começa a recitar um feitiço contra Apopeu;

- “Apopeus adaminatecu´s intransversam aderiognum atia malsavada tutti que me parla, queirimarus tu i carquero sangre in carkeva esqueletum”!

Apopeu então roda sua longa capa verde formando um escudo que protege ele e o pobre do Otávio que a esta altura já estava prestes a desmaiar;


- O que? Um escudo? Você defendeu meu feitiço com um escudo de capa?
Exclama inconformada a gata Zara que está acostumada a ver feitiços verbais serem defendidos ou curados com outros feitiços verbais.

Então Apopeu sereno e confiante como sempre diz a ela;

- Eu preciso leva-lo minha velha amiga! Me perdoe faze-lo desta forma, ele não quis me dar a mão então terei que leva-lo a força.

E uma fumaça verde envolve Apopeu e Otávio, arrastando os dois para dentro da porta na pedra que já estava se fechando.

Zara pula mas não consegue encostar na pedra a tempo, brava ela reclama com o velho Theadoro;

- Maldito Apopeu! Sempre surpreendendo daquele jeito tão educado dele. E você velho Theadoro! Pra que você serve? Nem pra me ajudar a segurar o rapaz aqui! Você e este seu grandalhão com tantos olhos e dentes! Vocês não são guardiões da entrada dos bosques? Não é para isso que deveriam estar aqui?!

Theadoro olha para Pimposo e reclama;

- Pimposo! Dê um jeito neste felino! Não entendo um só miado do que ele diz e estou completamente confuso com a presença dele! Sinto também fome e vontade de cavar buracos no chão com as unhas, nada muito fundo nem nada muito raso!

Pimposo como de costume dá uma desculpa para não precisar machucar alguém ou se ferir

- Pimposo não pode dar jeito na gata Zara senão gata Zara dá jeito em pimposo!

E Theadoro que obviamente já havia esquecido quem era a gata Zara, diz irritado;

- Então deixa que eu mesmo dou um jeito!

E lança um feitiço de encolher em Zara

- “Minimallus encantarílhos de tu mamita yator Adoren Azamedeu”!

Então, Zara pega de surpresa devido a inesperada atitude, dá um salto arrepiado de gato assustado sem tempo de defender-se tornando-se um gatinho do tamanho de meia caixinha de fósforo.

- Chefinho! O senhor deixou a Gata Zara titica! Tá tão niquininha que não dá nem pra dar carinho!
Disse abismado Pimposo que se esforçava para enxergar um gatinho tão minúsculo

Então o supremo e respeitável insano Theadoro Lorde dos esquecidos, diz confiante como de costume;

- Não se preocupe com isso Pimposo! Temos muito o que fazer hoje e nos outros dias também! Temos roupa e temos comida lavada! Dormimos em camas e lavamos a louça antes de come-las! Não precisamos dar carinho em bichinhos que não preenchem nossa mão e também não precisamos pagar contas ou procurar por bandidos ou objetos perdidos! Estamos muito bem em comparação aos outros! Podemos ir embora agora!

- O senhor quem manda chefinho
Diz obediente Pimposo

E os dois partem sumindo em segundos junto com todos os objetos e animais que os acompanhavam, exceto por Zara que do tamanho de meia caixinha de fósforo estava desesperada gritando para que Theadoro parasse com aquela brincadeira e a devolvesse ao tamanho original.

Porém eles realmente se foram, e Zara desconsolada caminha em direção a pedra aonde Apopeu sumiu com Otávio, apenas em busca de abrigo para pensar e consultar algo que desfaça o feitiço de Theadoro no único livrinho de feitiços que ela carrega em seu compartimento mágico invisível. Ela precisa agir rápido, antes que algum inseto apareça para devora-la , qualquer aranha poderia alimentar-se dela agora.


Rapidamente Zara encontra alguns feitiços, mas nenhum deles compatível com a força do feitiço de Theadoro , o único que poderia reverter a situação é um feitiço não verbal, ou seja, uma poção com uma vaga e estranha receita. Zara odeia estes feitiços, nunca gostou de fazer poções, muito menos procurar por seus ingredientes, mas ela não tem escolha, até mesmo por que está numa missão importante!

Na receita diz:

“ Receita para poção de reversão de encolhimento:
Por Astholfo Nanicolinu´s
(Filho do nomeado inventor da poção de encolhimento, Mestre Azamedeu Nanicolárdios)

Siga as instruções sem alterações de curso ou substituições de itens;

* Dê doze passos inesperados frente ao Lago frio dos Poetas
* Colher e comer um botão de flor cantora que irá se abrir ao seu lado (retire com delicadeza e peça licença).
* Colher treze gramas de pólen de flor cantora e inalar imediatamente
* Fechar os olhos e recitar o poema que a lua vai cantar
* Durma profundamente na margem do lago e continue viajem para o deserto no dia seguinte
* Procure uma Itanacã nativa dos rochedos árduos
* Esmague com o cotovelo até soltar o líquido laranja
* Engula tudo e aguarde pelos efeitos, em até quinze horas ao máximo você estará em seu tamanho normal”

Ok, isto é mais que uma receita, é uma missão longa e cansativa, ainda mais para alguém tão pequenininho, e Zara também parou para pensar se o que ela tinha podia ser chamado de cotovelo. Mas decidiu partir na busca assim mesmo;

- Eu preciso de um transporte para acelerar ao menos o comecinho dessa jornada
Pensou Zara olhando ao redor em busca de algo que pudesse lhe transportar

Então, por detrás dela, passa por cima da pedra um pé de alguém enorme que caminhava assoviando, Zara então agarra suas unhas num tecido pendurado amarrado na cintura do gigante e procura uma dobra aonde possa se esconder.

Ele apenas assobiava e de onde Zara estava apenas se enxergava um volume e tanto dos pelos de sua barba negra.

Na verdade a viajem estava tão interessante e agradável, e aquele gigante também assobiava músicas tão delicadas, que sem se dar conta Zara dormiu fazendo “rom rom” e tudo, como se estivesse em seu campo preferido de ervas de gato.



Equanto isso, numa cidade redonda e pontuda habitada por conquistadores do deserto entre os jardins de "aqui" e "lá", um empregado alarmava a seus empregados que deveriam alarmar ao grande empregador de todos;


- Os humanoides estão entrando aos montes através dos portais enfeitiçados das tendas, tanto nas florestas quanto nos desertos, e a culpa não é nossa! Devemos ao menos reforçar nossa postura perante a isto enviando um relatório sobre o que acompanhamos até agora ao “Senhor de Toda Política e Raciocínio", para que ele ao menos saiba que em seu reino não existe somente ratos empoeirados do deserto, velhos enrugados e mofados que dormem entre as árvores e bestas sem descrição que rastejam como lama escorrendo morro abaixo;

Ele dá uma pigarreada e grita ao seu fiel secretário

- Senhor Ananias!

- Sim Sr.Prefimperadoreito Ó Popillineu o Justo?

- Convoque Abetrânio para datilografar o relatório que irei ditar dentro de dois minutos e vinte e sete segundos!

- Agora mesmo Vossa Sabedoria.

Enquanto Ananias se ajeitava para busca-lo, Abetrânio já se aproximava com sua máquina de escrever de uma só tecla

-Pronto como um ponto Vossa Imensidão!
Exclamou orgulhoso com a própria prontidão o habilidoso Abetrânio

- Pois bem caro datilógrafo, prepare sua testa para este documento oficial

E Abetrânio encosta a testa na única tecla da máquina de escrever, enquanto Popillineu dita;


- Vossa Excelência Perpétua Pai e mãe de nossos direitos e esquerdos, exponho aqui conhecimentos que já acredito fazer parte de vossa imperdoável e perfeita percepção, porém destaco o direito de defender-me dos atos rastejantes destes vermes empoeirados e destes velhos bruxos texturizados com musgos e rugas, herdeiros das velhas maldições.

Como vossa grandeza já está habituado a ouvir a tantos Momentempos, enfrentamos a invasão de humanoides feiticeiros e bruxos alcoólatras por meio dos portais disponíveis nos bosques e nos desertos, nossa tolerância perante os furtos e barbaridades causadas por estes ratos da magia aparenta ter chegado ao fim, a partir do dia de hoje aonde acompanhamos um ataque de bruxos vagabundos saqueando artefatos e elmos que nos são de valiosíssima importância, mesmo que carregados da mais apelativa proteção e enfeitiçada por um de nossos melhores AquieLáianos, nossas barreiras e cofres foram derretidos por estes marginais sem discernimento, perdoe-nos vossa Imensidão mas por não termos nada a ver com estes portais e por estarmos sendo lesados constantemente devido a seus atos repugnantes, peço ao senhor fervorosamente que nos autorize a contra-atacar estes infelizes antes que eles acabem com todas as nossas preciosidades, nossos artefatos mágicos caíram de seiscentos e noventa e oito ieqtialhões visíveis e duzentos e quarenta e cinco pereoktalhões invisíveis para quarenta e dois ieqtialhões visíveis e apenas noventa e oito milionerítimos invisíveis.

Ou atacamos e mantemos nossa tradição e preciosidade intacta ou entregamos tudo aos macacos e nos damos por um reino vencido pela podridão. Não espero de forma alguma que isto soe como um fio de ameaça a vossa perfeição que de tão perfeito torna-se impossível de se ameaçar, mas temo que nossos habitantes principalmente nossos encantadores de artefatos venham a se rebelar por um breve momento, o que pode resultar num alto índice de desencarne humanoide fora do controle de nossas autoridades locais.

Anseio por sua resposta e já lhe adianto meus pedidos de perdão em nome de qualquer falha por parte de minha humilde e fraca existência errônea.

Tudo é tão pequeno em comparação a seu poder e liderança ó fabulosa Excelência Perpétua.

Com toda devoção e respeito que me são concebidos nesta vida

Popillineu o Justo
Prefimperadoreito da Cidade Redonda e Pontuda dos Conquistadores do Deserto


E Popilineu ordena a seu fiel ajudante e escudeiro ao terminar de ditar:

- Sr Ananias, leve imediatamente este comunicado aos assessores de nosso Senhor e se possível aguarde por sua resposta nas proximidades de seus gloriosos domínios.

- Agora mesmo Vossa Grandeza!

Ananias responde enérgico com sua clássica prontidão e segue em sua missão de quarenta e cinco dias de deserto até chegar aos domínios de seu senhor, isto não é nada para um conquistador do deserto e Ananias já fez isto incontáveis vezes, mas mesmo assim ele sente um leve frio na barriga ao imaginar que algum bruxo mundano poderia descobrir sobre este comunicado no meio do caminho e tirar sua vida por isso, mas para um escudeiro fiel como Ananias sua única opção é seguir em frente.




FIM DA PARTE 1


Bruno Prata Stano
brunostano@gmail.com acronicalia.blogspot.com


A Cronicália
Licença Creative Commons
Este obra foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-Uso Não-Comercial-Proibição de realização de Obras Derivadas 2.5 Portugal.


Bruno Prata

 
Autor
BrunoPrata
 
Texto
Data
Leituras
822
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
0 pontos
0
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.