Por meados do ano de 1892, apareceu no Funchal uma doença que vitimou muitos cães e à qual se afirma terem também sucumbido algumas pessoas residentes nesta ilha. A população ficou em extremo sobressaltada, pois se tratava dum morbo completamente desconhecido entre nós e que não só atacava os animais como também alguns indivíduos da espécie humana. A aumentar este natural sobressalto, somou o estado de indecisão dos médicos madeirenses, que não tinham opiniões conformes sobre o diagnostico da enfermidade, devido principalmente à falta dos respectivos exames bacteriológicos, que de modo algum se podiam fazer na Madeira.
A imprensa local prestou nesta conjuntura um importante serviço, não só pedindo enérgicas e imediatas providencias, mas pondo de sobreaviso os habitantes a respeito aos perigos que podiam resultar da mordedura dos cães, como ainda da necessidade que havia de sequestrá-los e pô-los em condições de não transmitirem o mal a qualquer pessoa ou outros animais.
Devido ás instâncias do governador civil do distrito, de então, o engenheiro Luís Merens de Távora, enviou o governo da Metrópole a Madeira o distinto medico veterinário António Roque da Silveira, encarregado de estudar a doença que aqui se manifestara e de indicar o meio de a debelar. Este veterinário chegou ao Funchal a 8 de Outubro de 1892 e logo iniciou os seus estudos, aproveitando desde logo e no mesmo dia em que desembarcara alguns trabalhos já anteriormente realizados com a inoculação em coelhos de uma emulsão do bolbo de cães mortos pela moléstia. As novas inoculações a que procedeu, os exames microscópicos que fez, o demorado estudo clínico a que se entregou e ainda outros trabalhos a que
diligentemente procedeu levaram ao seu animo a convicção de que a hidrofobia existia na Madeira, apesar de alguns distintos médicos madeirenses serem de opinião que não era de carácter rábico a epizootia que se manifestara nos caninos desta ilha.
Roque da Silveira diz que a raiva foi importada, e aceita como provável a opinião das pessoas que afirmam que no mês de Maio de 1892 desembarcara no Funchal um estrangeiro acompanhado de dois cães e que ao voltar para bordo, poucas horas depois, era apenas seguido por um desses animais. É possível que o cão, que aqui se extraviara, trouxesse incubada a raiva e que, na ocasião dela se manifestar, mordesse outros animais e assim transmitisse a doença.
Apesar de não ser muito avultado o numero das vitimas constatou-se no entretanto a morte de sete pessoas, que sucumbiram à horrível doença da raiva.
Não temos conhecimento de que antes ou depois desta época se haja manifestado entre nós aquela moléstia.
O veterinário António Roque da Silveira dirigiu ao governo central um desenvolvido relatório acerca da raiva aparecida nesta ilha em 1892, que foi publicado no n.° 2 do V ano do Boletim da Direcção Geral da Agricultura, de páginas 29 a 62.
continua...