Numa manhã, Baracho chegou a delegacia onde encontrou vários "caipiras" em diversas salas a conversar com um sargento e outros policiais militares, no gabinete, o delegado lhe dissera que às 23:05 horas da noite anterior, uma moça, quando se despedia do namorado após ambos olharem às horas, recebera um tiro no pescoço vindo da única janela da sala que estava semicerrada, tendo falecido no translado para o hospital antes de ser iniciado o atendimento médico.
Segundo o delegado informou, um sargento tinha ido ao local e "apurado" que um ex-namorado da vítima, residente seis quilômetros da casa dela, tinha saído de casa pouco tempo antes do crime e só voltado ao amanhecer do dia seguinte, negando-se a dizer aos familiares e a polícia onde estivera. O suspeito estava detido na delegacia com familiares dele, tendo sido com ele apreendido uma garrucha de calibre 320 com sinais evidentes de disparo recente.
Baracho foi para o seu cartório já que não intervia na então "triagem" composta de militares, para, pouco tempo depois, lhe ser entregue o suspeito com a arma referida para ser autuado em flagrante delito pelo assassinato da moça.
Não havendo testemunhas oculares do crime, foram chamadas duas pessoas que apenas iriam depor como tendo visto a arma em poder da polícia e a leitura das declarações do condutor e do autuado.
Após umas duas horas, o flagrante foi terminado, entretanto, como que sofrendo um choque, o acusado disse:
"Não vou assinar porque não matei ninguém!".
Novamente o suspeito foi levado para a triagem e as testemunhas "passantes" foram dispensadas.
Pouco tempo depois, o suspeito foi retornado ao cartório e novo flagrante com novas testemunhas foi iniciado, só que, ao ser perguntado como matara a moça ele respondeu:
"Podem me matar se quiserem, não vou confessar um crime que não cometi".
Desta feita, o flagrante foi terminado e todos assinaram com o suspeito sendo recolhido a cadeia com a nota de culpa.
Acreditando na inocência do autuado, Baracho pediu ao de1egado para deixá-lo ir a presença do médico pedir para ser extraída a bala do corpo da vítima, sendo autorizado.
Qual não foi a surpresa, ao receber do médico uma bala de calibre 22, sob a alegação que esquecera de mandá-la com o laudo.
Retornando a delegacia, o preso foi tirado da cadeia e levado ao cartório e o flagrante foi novamente rasgado já que a arma apreendida era de calibre 320.
Baracho chamou o delegado à parte e lhe perguntou se ele tinha ido ao local do crime, recebendo como resposta que isso só fora feito pelo sargento e a sua equipe.
Baracho aconselhou a autoridade policial a ir ao local do delito levando o suspeito muito bem escoltado e algemado, antes de ser elaborado outro flagrante de negativa de autoria sem testemunhas do evento, acabando por convencê-lo, indo todos a casa da vítima.
Era zona rural e a casa ficava no meio de uma plantação de milho tendo um pouco acima um bambual.
Ao chegarem ao terreiro da casa, a mãe da vítima, com um machado em riste, tentou matar o suspeito sendo contida com muito custo e desforço físico.
Com um olhar acostumado a perícias, Baracho, de imediato, viu que o suspeito era inocente porque a janela era alta em relação a estatura dele, somando-se a isso, o fato de que, ao redor daquela casa, como ocorre com a maioria das casas da "roça", havia um baixo relevo do piso de terra junto a parede e janela de onde partiu o disparo fatal, em razão da passagem constante de pessoas ao redor da residência, com o barro seco amoldando-se na base da parede em fina e escorregadia camada.
Restava tentar obrigar o suspeito a revelar onde estivera por mais de três horas na noite do crime, com todos sabendo que o comum na roça era deitar-se cedo e cedo levantar-se.
Baracho pediu ao delegado para falar a sós com o suspeito no bambual, com o delegado autorizando desde que ele fosse algemado.
Naquele bambual, Baracho mandou-o abaixar as calças e disse que iria queimar o seu pênis se não dissesse onde estivera na noite anterior e onde estava a verdadeira arma do crime, ele continuou negando a autoria ao que o nosso amigo lhe disse:
"Sei que você é inocente, apenas quero saber da arma cal. 22 e onde você estava na noite do crime".
O estratagema deu certo, com o suspeito dizendo que a arma de calibre 22 estava em casa de um amigo perto da casa dele.
Foram todos para a casa indicada, com o delegado pedindo a um casal jovem que atendera a porta para verificar se havia armas na casa, ao que o rapaz entregou ao delegado uma garrucha de calibre 22.
Tão logo pegaram na arma, viram que ela não era a do crime por que estava cheia de ferrugens e com teias de aranha no pequeno orifício da alma do cano. Nova reunião foi feita, desta vez, o suspeito foi mais pressionado, Baracho insistindo para que ele dissesse o que fizera na noite do crime e os demais querendo que ele confessasse a autoria do delito e entregasse a arma verdadeira.
Como ele permanecia no mutismo, Baracho lhe disse:
Ninguém acredita em você, nem a sua família, uma vez que foi ela quem nos relatou sua longa ausência noturna, você só tem a mim lhe dando crédito e já começo a me arrepender. A partir de agora, deixo a seu critério decidir se prefere tomar uns trinta anos do tribunal do júri, com todos os jurados contra você já que não posso fazer parte do tribunal, ou, se prefere ajudar-me contando os seus passos na, noite de ontem!.
Se eu contar vocês prometem não dizer ao seu "Juca" que eu falei?
Não prometemos nada, entretanto, você mesmo acaba de nos dar a pista que precisávamos, disse o delegado, ocasião em que Baracho acrescentou a fala do delegado dizendo ao suspeito que ele deveria relatar tudo, senão, iriam descobrir quem era Juca e, assim, saberiam de tudo.
Assim pressionado, o suspeito relatou que saíra de sua casa por volta de 22:00 horas com a garrucha calibre 320, dando um tiro com ela num moirão de cerca, em seguida, foi para a casa de Juca, um pouco distante de sua, onde sempre havia um jogo de baralho, conhecido como "pif-paf" e valendo dinheiro em quantias módicas. Estava lá quando uma pessoa chegou noticiando que a sua ex-namorada acabara de ser assassinada e a polícia fora chamada. Naquele momento, Juca dissera aos oito rapazes presentes e participantes do jogo:
"Ninguém pode falar que estava em minha casa, jogo proibido dá cadeia. Se alguém me delatar me pagará depois, além disso, todos os demais deverão negar a existência do jogo o que colocará o “dedo duro delator” como mentiroso”.
Com um papel na mão, Baracho começou a inquirir o suspeito perguntando detalhes da casa de Juca, o que comeram naquela noite, quem estava a sua direita e a esquerda, quem estava ganhando no jogo, quem perdera, enfim, uma série de detalhes que só poderiam ser relatados por quem realmente estivesse naquela casa e na mesa de jogo.
Munidos das informações, todos foram a casa de "Juca" com o suspeito algemado e, assim o reapresentaram ao Juca, antes, contando a ele que nenhuma providencia policial seria tomada por causa do jogo. Mesmo assim, Juca, com olhares faiscantes para o conduzido, insistia em negar a presença dele em sua casa.
Naquele momento, Baracho lhe disse: o jogo nem crime é e, sim, uma mera contravenção penal, assim mesmo discutível, não havendo a prisão em flagrante ele e seus companheiros nem seriam presos, ocorrendo nova, negativa de álibi por parte de Juca, naquele instante, Baracho começou a relatar tudo o que ouvira do suspeito, inclusive as piadas durante o jogo, terminou dizendo a Juca que ele seria preso e as mesmas informações seriam conferidas com os demais participantes do jogo quando, na certa, a verdade acabaria por vir à tona com todos tomando conhecimento de que a polícia sabia do que conversaram comeram, ganharam ou perderam etc.
Deu certo!, Juca confirmou que o rapaz suspeito chegara em sua casa por volta das dez horas da noite do assassinato da moça e só saíra de lá por volta de duas horas da madrugada, depois que ficaram sabendo do crime ocorrido, e que ele era totalmente inocente, pelo menos da pratica do crime e, sendo muito pobre, não poderia tê-lo encomendado.
Todos os presentes ao jogo foram ouvidos e confirmaram a versão do rapaz que fora preso e autuado duas vezes por um crime que não cometera.
Ele foi liberado e viajou para São Paulo, porém, sempre que podia, ia a Delegacia para saber se haviam descoberto o assassino, o qual, até hoje, pelo que se sabe, a autoria do crime continua desconhecida.
Resta um consolo, pelo menos, graças ao Baracho, um inocente não veio a pagar por um delito que não praticara.
"É PREFERÍVEL DEZ CRIMINOSOS SOLTOS A APENAS UM INOCENTE PRESO".
(aa.) S.A.Baracho.
conanbaracho@uol.com.br
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