Crónicas : 

A procissão dos ridiculos

 

Há em todos nós um momento de ridículo, aquele instante em que nos sentimos ridículos sem qualquer motivo aparente. Por exemplo se somos apanhados a coçar uma parte do corpo que se conveio ser ridículo coçar em público. Isso vem de quando eramos miúdos e nos sentíamos ridículos pelo que vestíamos ou por a nossa pronuncia ser diferente do resto da turma.

O ridículo pode-se medir, é medido na exacta medida do ridículo em que vemos o outro, também pela nossa noção de ridículo e se vemos alguém que pela nossa bitola é mais ridículo que nós isso é uma panaceia para o nosso próprio exercício do ridículo em que caímos. Estávamos a coçar o tal sitio e caímos no ridículo mas é mais ridículo o fulano da frente que come as ranhocas que pacientemente vai retirando da narina. Aí já nos sentimos menos ridículos, talvez até desculpados já que a turma vira-se furiosamente num gozo pegado ao desgraçado que fez do carcanhol “tira gosto” para almoço. Nessa altura até podemos dar mais uma coçada que ninguém vai notar.

A bitola de ridículo varia sempre em função do ambiente em que nos movemos, uma espécie de ecossistemas (ridículos às vezes só por si!) em que o ridículo está como a comida na cadeia alimentar. Tem o palerma de quem me rio e tem o esperto que se ri de mim, até que no pico está o predador mor que se ri de todos e ninguém tem coragem de se rir dele. Esse pode coçar o saco, comer ranhetas e retirar cera dos ouvidos que ninguém lhe diz nada.

Às vezes essa imunidade advém-lhe de vários factores, da idade, do respeito que outrora granjeou (mas entretanto perdeu!), de um pretenso cargo, da violência com que pode responder ao apontar do dedo, não deixando no entanto ele próprio de o apontar sempre que lhe convir (e às vezes de forma ridícula!). O ridículo mor não tem espelho, tenta-se espelhar, fazer da sua imagem modelo a seguir ainda que ridícula.

Depois seguem-se a horda de ridículos atrás do ridículo mor, e por mais ridículo que pareça dentro de um ecossistema (ridículo) constituem-se sub-ecossistemas (ridículos) que se ridicularizam entre si. Dá vontade de dizer: vai ser ridículo assim no diabo que te carregue.
 
Autor
jaber
Autor
 
Texto
Data
Leituras
2002
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
6 pontos
6
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 23/11/2012 16:50  Atualizado: 23/11/2012 16:50
 Re: A procissão dos ridiculos
seriam os poetas bastardinhos filhos das parideiras refazendo o habitat?
abs jaber


Enviado por Tópico
fotograma
Publicado: 23/11/2012 16:58  Atualizado: 23/11/2012 16:58
Colaborador
Usuário desde: 16/10/2012
Localidade:
Mensagens: 1473
 Re: A procissão dos ridiculos
do ridículo já basta
o que a vida me oferece
que por em nada ser casta
padece de pouca prece


padece toda procissão de alguma prece, algum hino para embalar as multidões


Enviado por Tópico
Gyl
Publicado: 23/11/2012 21:50  Atualizado: 23/11/2012 21:50
Usuário desde: 07/08/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 16113
 Re: A procissão dos ridiculos
Gostei mais dessa parte: "Depois seguem-se a horda de ridículos atrás do ridículo mor, e por mais ridículo que pareça dentro de um ecossistema (ridículo) constituem-se sub-ecossistemas (ridículos) que se ridicularizam entre si. Dá vontade de dizer: vai ser ridículo assim no diabo que te carregue."
Deu até vontade de declamar uma Ode ao Ridículo. Fica para outra ocasião! parabéns Jaber!

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 25/11/2012 13:02  Atualizado: 25/11/2012 13:02
 Re: A procissão dos ridiculos
Um bom texto para reflexões...dos ridiculos que não se enxergam mais como não-ridiculos, vestiram a farda... até que algum divino-ser cure-lhes os olhos da catarata que os infectou... besteirol, talvez? A Litetratura foi sempre uma ótima cama para ridiculos e redicularizações descansarem...

Já leste Parerga und Paralipomena do pessimista Schopenhauer? Desenvolve temas como 'a arte de escrever', 'a linguagem e a palavra', ' a erudição e os eruditos'.etc... acusando autores/escritores alemães de seres ridiculos e assassinos da boa literatura...

Divaguei bastante nesta associação ridicula...


Um abraço