Malgrado digam:
Tudo o que cantas
Não inspira,
Não me importo.
Vivo assim:
Dentre tantas mentiras,
Escolho uma ou duas
Que, ao menos,
Façam sentido pra mim.
Por isso, amigos,
Se quiserem,
Me acusem de poeta cínico
Ou de ter partido
As asas do querubim.
Malgrado digam:
Tudo o que cantas
É mentira!
Não me importo.
Em verdade tudo transformo
Ao som da lira,
Porque gosto
De verdades mentidas
E gozo
Ao ver aqueles
Que ainda crêem
Em coisas absolutas
Na vida.
Malgrado digam:
Tu és louco!
Teu canto
É nada ou pouco,
Não me importo.
Torno-me os versos
O meu reverso
E os ofereço a todos
Sem esperar nada,
Nenhum troco
Ou que percebam
O próprio engodo.
Malgrado digam:
Tudo o que cantas
Está morto
Ou morrendo está,
Com isso me rejubilo,
Por saber
Que componho um hino
A todos fraterno,
Que nos deixa isentos
E desnudos do fardo
De sermos eternos.
Malgrado digam:
Vives da rapina
Do dia-a-dia,
Transformas a poesia
Na nossa ruína,
Não me abato;
Escrever só nos lancina
E nos inocula
Com o mundo
E a estricnina.
Malgrado digam:
Tudo o que cantas
Faz-me sentir
Num exílio,
Não há encanto,
Nada de sublime
No teu canto,
Não me espanto.
Não há como atingi-los
Sem antes
Cometer-se um crime,
Expor numa vitrine
Tudo o que nos reprime
Para a quebrarmos
Beligerantes.
Malgrado digam:
Só amas o chão,
O parco instante,
Não me importo.
A terra, o céu,
O sol radiante,
O corpo vão,
Tudo o que vês
Perecerá
Nesta láctea via
De fluidez.
Malgrado digam:
Tudo o que cantas
Te vai mandar
Para o inferno,
Não me importo.
Sei que nada é fixo
Ou sempiterno
E que, como todos
Que se persignam
Com crucifixos
Ou que não crêem
Na parasceve,
Em breve,
Me tornarei pó, lodo,
Enquanto cantam
Os rapsodos.