Aproximas-te agora
do fim da viagem.
Pelo estremecer do carril
e da poeira que se levanta
cercando a paisagem
adivinha-se já
a luz baça da última gare.
Há um rumor de cinza
no freio que chia
anunciando o limiar do frio
e uma sombra cinzenta
que acena com o vento
lembrando os gestos definitivos
de uma despedida.
Na parca bagagem
trazes aquilo que te sobrou
dos sonhos que envelheceram
à espera que a noite se esgotasse:
algumas lembranças
marcadas a fogo
na carne enrugada da memória,
uma fatia de sol
trazida da longínqua infância
que ainda não se perdeu de todo,
e um sorriso traído
no olhar exausto
de tanto atravessar
a escuridão dos túneis.
Contemplas agora
o lugar vazio
de um súbito regresso
ao ponto de partida,
a derradeira imobilidade
que te vem resgatar
à fragilidade exausta
de um voo encalhado.
Sozinho no apeadeiro
a ver a noite partir
e a manhã que chega
branca e cintilante
a colorir-te os contornos do rosto,
até à transparência da luz
enquanto lentamente
te debruças
sobre as malas por desfazer.