Carta inspirada no poema Having a Coke With You,
de Frank O'Hara.
Era quando você falava de tudo, quando você me deixava assim "uau"
e eu calava meu espanto (ou tentava), parcialmente porque queria achar normal,
ou parcialmente porque eu te amava e não queria parecer tão frágil assim.
Era assustador aquele sentimento, aquele conhecimento precoce que havia
e que me levava pras alturas... Estar com você era cair de um avião
sem saber do risco, sentindo o vento e tocando uma música nas nuvens...
parcialmente porque te achava linda, ou parcialmente porque eu te amava.
Não sei o que sobrou de mim, de como eu era naquele tempo,
já não trago mais as mãos suadas nem os olhos oceânicos,
salgados e profundos, nem o beijo em formato de sorriso que te mandava,
parcialmente porque era tudo o que eu mais queria
ou parcialmente porque eu te amava.
Não sei direito, porque naquela época, minha visão era sempre turva,
e não houve nenhum daqueles médicos de olhos (dos quais esqueço o nome agora)
que me dissesse, que conseguisse definir o meu problema sem fingir.
Sem fingir e dizer "é alguma virose, durma bastante e beba muita água".
Agora que meus olhos estão abertos e agora que descobri que aqueles médicos
estavam errados, sei qual era o meu problema.
Sei o que fazia do mundo um lugar melhor pra mim, sei o porquê da sua presença
amarrar cordas em meus sorrisos e pendurá-los no céu da minha boca;
sei a razão sem vontade de ser razão que era as nossas brigas, os nossos afagos,
as confissões. Sei, agora que você já não está aqui.
Era parcialmente porque eu te amava. Talvez fosse parcialmente porque te achava linda.
Hoje, amanhã, depois de amanhã e em todos os dias
que vierem depois de ontem, haverá nostalgia.
Parcialmente porque eu te amava, parcialmente porque eu ainda te amo.