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não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu
para: conceição [roque silveira]
a minha camarada da escrita conceição [roque silveira] escreveu o seguinte comentário ao meu texto sofhia:
"Já eu acredito que há génios dentro de nós nalgum momento da vida, ou em vários; não sei que te dizer sobre os que tens, mas acredito que os mostras cada vez mais a cada dia, a cada texto, que ser génio não é ser perfeito é ter essa capacidade de caminhar, seja na vida, ou por dentro de si e isso é de algum modo felicidade. Eu noto na tua escrita uma espécie de sofrimento feliz. Ah, sempre tive uma admiração pela poesia de Sophia."
respondo grato:
palavra que não sei o que te dizer – sei que não lido muito bem com elogios. tenho medo. obrigam-me a qualquer coisa que não sei explicar. talvez me obriguem a ser melhor. não um não ser melhor. mas um ser melhor trajado a rigor. assim como quem vai a uma festa de gala. na entrega de um prémio. assim uma coisa importante – às vezes penso que sou mesmo muito confuso a escrever. quando tomamos café sou muito mais povo. mais popular. mais arteiro. mais humano. mais sem jeito de dizer coisas – mas há um elogio que gosto de ter. de preferência muitos. às centenas. escritos. orais. sinais de fumo. gestuais. sei lá. tudo o que possam encontrar e que faça o corpo estremecer. que faça os olhos humedecer de timidez. e o cérebro dizer-me que ninguém chora por tão pouco. pára. guarda essa lamechice para as coisas da dor e não da alegria. porque estes elogios são fruto do esforço. numa luta gigantesca entre o que posso dar e o que gostaria de dar – mas sou assim. e a porra das comparações sempre a dizer que ainda tenho que ser mais. e que os outros são todos muito melhores do que estas palavras que encontro para dizer que sou feliz. como nunca fui ao escrever – sou tão feliz que respondo desta forma. não por vaidade. não porque gosto de textos grandes. não porque tenha assim tanta coisa importante para te dizer. respondo assim porque sou feliz ao escrever. porque descobri que esta é a única forma de dizer coisas boas às pessoas que merecem ter palavras boas – sofrimento feliz? sim. sim porque gosto. e gosto porque me define em todos os silêncios que encontro para escrever – sou tanta coisa que não quero ser e o que sou mesmo acabo por não ser – ah que raiva que tenho de não poder escrever tudo o que penso. se soubesse. tenho a certeza de que ficarias mais feliz e eu mais sossegado por saber que disse exactamente o que queria dizer. e queria dizer tanta coisa. escrever-te assim como se estivesse a falar contigo. com os braços a gesticular e o corpo a gemer de um lado para o outro. os olhos a inchar e a desinchar e eu a abanar-te implorando que me dissesses com os olhos que me compreendias. assim como eu me compreendo quando estou lúcido – rais parta este comentário. e eu por aqui sem saber se disse tudo ou se como em quase tudo na vida. me fico pelas metades. o que por esta idade já não sei se é defeito ou a ambição de querer fazer sempre cada vez mais coisas – não estou louco acredita. nem perdi a noção do papel já gasto. estou assim como quem sabe que a felicidade é feita de coisas pequenas. de palavras pequenas. de maçãs vermelhas enormes. e de um mar cheio de gaivotas que por serem donas do vento são donas do rumo que querem dar à vida – eu quero ser feliz. só