ARMAS
Lendo os classificados e as atrações dos encartes do jornal, babei de gosto com as liquidações. A minha sanha aproveitadeira de oportunidades me fez chamar a atenção do distinto, que sentado a minha frente, também lia os matutinos:
- Benzinho!
Os olhos do dito cujo tornaram-se opacos, o corpo tomou posição de defesa, as mãos, crispadas, não baixaram o jornal.
“Hum...”, ele roncou atrás da muralha de indiferença. Não sei porquê, sempre que eu o trato de “benzinho”, a sua reação é idêntica, parece ficar de sobreaviso, torna-se hirto, e a sua fisionomia toma um ar de tijolo, inexpressiva.
Não sou dessas de fugir da raia por um simples ronco. Tomo as minhas decisões e executo-as como as concebo (não “como-as com sebo”; longe de mim tal canibalismo). Mas o termo “benzinho” parte do oco da minh’alma pedinte e se desfaz em minha voz como batida de rapadura na boca de criança. Procurando não me tocar diante da estaca empedernida em que “ele” se tornou, eu repito:
- Benzinho, olha só que liquidações bacanas! – Apontando cada item feéricamente demonstrado, deixo a saliva envolver cada frase: Eu estou precisando tanto disto, e disto! Olha só o preço! Vamos aproveitar, “benzinho”?
Ele se agarra aos braços da cadeira para não escorregar na minha lábia e, em voz de inicio pausada, me esclarece:
- A senhora sabe, Dona Christina (detesto quando ele me chama de “Dona Christina”; é a sua maneira de botar água fria na fervura...), por quê as casas comerciais estão em liquidação?
Fito-o, calada, com os olhos ansiosos.
- Porque, - ele continua professoral – as pessoas não compram absolutamente nada, porque são ajuizadas e economizam o rico dinheirinho. Porque é preciso poupar, nesta época de recessão, de falta de empregos – ele vai crescendo de tom – e porque não ha cristão que agüente a subida dos preços e a retenção dos salários! (começa a esbravejar; daqui a pouco poderei até enxergar a sua campainha, badalando adoidada, atrás do céu da boca). Feche esse jornal e mude de assunto, que este já está me dando taquicardia!
Tenho a impressão que seus vastos bigodes se tornaram sanhudos, acompanhando as sobrancelhas. Vou me minimizando, encolhendo; gostaria de virar água e entrar pelo ralo. Seu rosto, vermelho, cresce diante de meus olhos assustados. Em um fio de voz eu volto à luta, choramingando:
- Puxa, “benzinho”, eu só estava comentando uma liquidaçãozinha! Na verdade, eu estava querendo lembrar a você, que está se aproximando o dia do meu aniversário. Afinal de contas, eu sempre digo que o “meu” marido é meu amigo, compreensivo, generoso, mão aberta, patatí e patatá, patatí e patatá...
- Tá bem! Tá bem! Tá bem! Eu me rendo! – ele me cala, já perdendo aquele ar de fera.
Contra a “minha” força não ha argumentos. Grudo avidamente o jornal: qual mesmo destas maravilhosas pechinchas poderei comprar?