Preconceitos
I Pedras
Há pedras nos corações doidas a rolar,
esculpidas pelos egos enlouquecidos.
Constituídas por preconceitos descabidos.
Vão soltas como as borboletas ao luar.
Vão escumadas adornando o íntimo altar,
onde se professam conceitos, pré-aceitos.
Aos pés do “deus da diferença”, votam-se eleitos,
de sangue azul, num cálice de ouro a brilhar.
Há dois altares, como os ramos bifurcados,
que a universos distintos estão apontados:
O de negro véu, ou o de fulgor eterno.
Qual dos dois leva ao céu? E qual leva ao inferno?
Por que tão longo o cisma se curta é a vida?
Se as nuvens no celeste azul pairam molhadas,
e a cor do sol flui pela fresta adormecida,
pintando os ares qual pétalas desfolhadas.
Não sabe a natureza, qual pendão, qual raça.
Derrama a todos os filhos a sua graça.
II A chuva
Desce a chuva... canta mais. Suspenso oceano!
Molha... lava... mas não pode lavar o humano.
Rotos pingos, como outras lágrimas de dor.
Que veem na terra? Divisões de amarguras!
E olhos opostos de tétricas criaturas.
Em cenas de preconceitos... Meu Deus! Que horror!
Há lábios vertendo orações,
pulsando lodo os corações.
Há letras dizendo união,
mas lendo a alma, separação!
III Preconceitos
Nas calçadas avernais: pobres, andarilhos!
Sob as chamas os vitrais cintilam aos brilhos,
da carne humana a queimar...
Jazem no arfar de agitos... nos ecos dos gritos...
Ateados fogo nas calçadas dos aflitos.
Tão horrendos a queimar...
Ontem brilhou as fogueiras da inquisição,
E os tijolos em Auschwitz, na concentração.
Hoje é o pó, a brilhar.
Negros filhos de Deus. Negras nações sugadas.
Prendem correntes de serpentes aneladas,
de ocultas escravidões.
Pintaram sudários em navios negreiros,
e constelações com sangue em chãos estrangeiros,
às dores em erupções.
Se açoites não mais estalam, nem sangue exalam,
mas rolam as pedras, infectas que se instalam,
em pútridos corações.
Onde estão as fogueiras, das noites fagueiras.
Índios de pele nua das noites de lua,
nos seus rituais a dançar?
Soluça a cascata aos dizimados da mata.
Meu Deus! Enxuga o sangue com os mantos teus,
e leva ao sagrado mar.
Áureas plumas, azuladas, rostos pintados.
Hoje desdenhados, são pássaros fechados,
com pouco céu a voar.
Almas que ressoam as dores amarradas.
Deficientes vêm, vão, seguem nas calçadas,
abrasivas a ferir.
Riem-se as pedras mostrando dificuldade.
A cada passo sente-se uma imensidade,
e uma colina a subir.
Enquanto o capital acena a áurea bandeira,
chora-se um mar numa só gota verdadeira,
sem trabalho conseguir.
Ia Madalena, e seduzia à melena.
Outras desregradas, famintas, algemadas,
as escravas do prazer.
Lascivos passos, e filhos sem pai nos braços,
leite alterado, a entorpecente temperado.
Langues ventres a sofrer.
A primeira pedra atira, esmera a mira,
mas do olho tira, tua trave que delira,
que faz o amor se esconder.
Enfermos idosos, galgam passos dormentes,
que prendem outras tantas sólidas correntes,
espancados sem perdão;
Ciganos de Sara Kali, magos dançantes,
que fogem no mundo, andorinhas viajantes,
das pedras sem compaixão;
O Apartheid da África do Sul acabou
Vil papel. Vírus que no mundo se espalhou,
cantando separação.
IV Deus
Deus, onde estás? Onde a tua face alcança?
Pensava-se um rei num trono nas alturas.
Buscava-te além no infinito em pujança,
mas estavas no seio das criaturas.
Deus! No universo do Teu nome existimos.
Vidas revividas: nascemos, partimos...
Juntam-se os rios no mar acolhedor.
Na terra, os rios são águas separadas.
Deus negro, branco... Na terra em desamor.
Na pele, na cor, nas sementes plantadas.
Deus tudo, Deus mar. O infinito comporta.
Toda a criação, o Teu nome reporta.
Do ínfimo ao supremo a Tua face alcança:
A fome do faminto, a dor das feridas;
O rumo das vagas, pés sem esperança.
A vida do universo, vida das vidas.
Sóis e moribundos, Teu olhar se lança,
Deus tudo, Deus mar, que ama com semelhança.
Rolam pedras neste mundo tempestuoso,
do viver e do agir, rolam sem parar...
Fabricam dores nas águas sem repouso,
e vão nos corações, doidas a rolar.
Deus tudo, Deus mar. Estenda Tua mão,
onde houver lágrimas e separação.
V Imagens do mundo
Imagens do mundo,
de clareza pouca,
enfebrada e louca,
qual fosso profundo:
Morredouras vidas;
chegadas, partidas...
almas renascidas.
Nem sábio, nem forte,
sapiência e ciência,
não fogem à morte.
Quem tem na acepção,
a separação:
O que nutre igual,
a gleba dos sonhos,
do orgulho fatal;
dos frutos risonhos,
que recria um mundo,
de imagens sombrias,
de sombras vazias,
de um fosso profundo.