Olho aquelas pedras da calçada,
luzidias e gastas pelos pés que nelas pisaram,
parecem pedras preciosas de anos consentidos,
num silêncio solidário com as tristezas
e alegrias que lhes foram dadas observar!
E recordo-me do tempo da alvorada da minha vida,
onde não existiam pedras de calçada,
nem gastas, nem luzidias,
porque os pés descalços
não mereciam sentir o toque da calçada,
mas tinham o direito de se enegrecerem
com a terra e pó solto das ruas
e tropeçar nas pedras duras da vida,
que se interpunham no caminho.
Voltando a concentrar-me nas pedras desta calçada,
luzidias e gastas, pelos pés que nelas pisam,
que se colocam no meu caminho de agora
e observando os pés apressados que nelas deslizam,
vejo frieza e indiferença por quem passa ao lado...
E sinto alguma nostalgia daquele meu tempo,
embora o pó que se soltava das ruas nuas,
de cor escurecida por nadas
e com cheiro de pobreza,
tinham porém, a áurea da felicidade,
existia partilha de amizade entre todos
que calcavam descalços,
aquele chão de terra da verdade.
José Carlos Moutinho