Por Tiara Sousa
Sentir falta não é saudade, sentir falta está em qualquer idioma, fica em qualquer coração, mora em qualquer buraco, come qualquer resto. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é lembrar da alegria imensa que sentíamos ao ganhar um idealizado brinquedo quando crianças e constatar que nunca mais ficaremos alegres daquele jeito pelo ganho de uma coisa tão simples, e que talvez nunca mais fiquemos alegres daquele jeito. Sentir falta é passar por uma rua e lembrar como ela era há anos atrás e saber que aquela rua, aquelas pessoas e até nós mesmos não seremos mais como éramos. Sentir falta é duas doses de whisky e nenhuma pedra de gelo, é inapropriado, é cotidiano, é intimo, é familiar, e quanto mais sentimos, mais fica inapropriado, mais fica cotidiano, mais fica intimo, mais fica familiar. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é uma verdade enfeitada com miçangas e paetês pra não assustar tanto, é uma ressaca moral, é um desgosto costumeiro, sentir falta é a prostituta na esquina aguardando mais uma dor de no máximo uma hora, é imoral. Sentir falta é a mesa posta, a comida pronta e a pessoa não chegar, é o sorriso fingido escondendo uma nova tristeza pra não incomodar ninguém, sentir falta é desejar Feliz dia dos pais pelo telefone, é gelado. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é mandar pra “aquele lugar” alguém que você quer em seus braços, é corajoso. Sentir falta é bater papo na internet num sábado á noite, é caminhar de cabeça baixa pra que ninguém olhe nos seus olhos, é solitário. Sentir falta é sair por aí tarde da noite se expondo aos mais diversos perigos pra comprar uma carteira de cigarros, é ansioso e impensado. Sentir falta é olhar uma foto antiga e ter a ilusão de que se era mais feliz, é sempre ter a ilusão de que se era mais feliz, é fantasioso. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é assistir o mesmo filme várias vezes, é ouvir a mesma música várias vezes, é ler o mesmo poema várias vezes, é amar a mesma pessoa várias vezes, é varias vezes inevitável. Sentir falta é um monologo, é um quadro isolado pendurado na parede de uma sala de estar, é uma garagem escura, é uma crônica traduzindo o que sentimos, é invasivo. Sentir falta é a infância da saudade, é a paródia da saudade, é o projeto da saudade, é a saudade pedindo esmola. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Saudade é a agonia de Chico Buarque na canção Pedaço de mim: “A saudade é o pior tormento, é pior do que o esquecimento, é pior do que se entrevar”; Saudade é a dor imensa de Chico Buarque na canção Pedaço de mim: “A saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”; Saudade é a loucura de Chico Buarque na canção Pedaço de mim: “A saudade dói latejada, é assim como uma fisgada no membro que já perdi”. A saudade é um pedaço inteiro de alguém, é alguém inteiramente despedaçado, é você ir a todos os lugares que costuma frequentar e não se encontrar em nenhum deles.Leia mais textos dessa autora no blog Alternativo: http://alternativosim.blogspot.com.br/
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