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O quadro de cortiça (AjAraujo)

 
Tags:  AjAraujo    poeta humanista  
 
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“Os ideais que iluminaram meu caminho, e que, de tempos em tempos me dão nova coragem para enfrentar a vida com alegria são a bondade, a beleza e a verdade. ” (Albert Einstein)

Era uma tarde de sábado de inverno atípico. O calor estava sufocante, havia saído a pouco da barbearia, caminhava em direção a minha casa. No caminho procurava alguma sombra na estreita calçada da Rua Lins de Vasconcelos.

Em plena subida, uma cena me chama a atenção: eis que atravessa uma moça maltrapilha e descalça com algumas sacolas de plástico, um feltro e um quadro.

A moradora de rua interpela alguns passantes, mostra-lhes um quadro típico de avisos, mas eles balançam a cabeça negativamente.

Quando, de súbito, ela se aproxima de mim e me diz:
- "Moço, tenho fome, preciso inteirar o dinheiro para comprar uma quentinha, só tenho dois reais".
Saca a nota amassada de uma bolsa e diz:
- “O senhor está vendo? ”.
Antes que eu pudesse lhe dirigir a palavra, ela prossegue:
- "Não tenha medo, eu não vou lhe fazer mal, só queria lhe vender este quadro de cortiça por oito reais, aí eu vou poder comprar a comida".
E depois arrematou:
- "Tome, pode pegar e veja que está em bom estado".

Como a me provar que dizia a verdade, que não estava querendo simplesmente “pedir” dinheiro.

A sua expressão era de grande sofrimento, estava bastante desnutrida, naquele momento não parecia estar sob o efeito de alguma droga costumeiramente utilizada nas redondezas, como por exemplo, o crack.

Acenei com a cabeça e lhe dei dez reais, mas lhe disse que ficasse com o quadro, fosse comprar a sua quentinha e se alimentasse (seu estado era deplorável, os olhos estavam fundos, a face muito abatida, tinha aspecto de desnutrição crônica e não devia passar dos 35 anos).

Ela então disse que o quadro era meu, e abriu uma bolsa que estava em uma das sacolas, pegou uma nota amassada de dois reais e me disse:
- "Obrigado, senhor, aqui está seu troco".
Esta atitude, obviamente me causou grande perplexidade, pois ela demonstrava uma satisfação e dignidade, ao sacar da bolsa novamente a nota de dois reais e esticar a mão para me entregar.

Eu disse a ela que estava tudo bem, que eu levaria o quadro, mas que ela ficasse com os dois reais para comprar um suco, um copo de leite ou algumas frutas.

Ela relutou, e aí, um pouco mais confiante, vendo que não a molestaria, disse:
- “Eu não gosto de pedir. Eu vivo nas ruas, vendo papelão e latinhas de alumínio para comprar comida e a “pedra” (referia-se ao crack) para esquecer os problemas da vida, o senhor entende? ”.

Antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela virou-se e se pôs a caminhar. As coisas aparentemente para ela resolvidas sem muita complexidade, pouco tinha e este pouco negociava para obter o “essencial” para suas necessidades, seja vendendo as latinhas e o papelão, ou trocando alguma raridade que encontrava nas lixeiras.

Ao chegar a minha casa fiquei longo tempo fitando o quadro de cortiça arrematado por um prato de comida e nele pendurei as dores do mundo e, refleti que nem de longe, as minhas dores se comparam a daquela pobre moradora de rua e dependente química do terrível crack que cruzou o meu caminho naquela inusitada tarde de inverno.


AjAraujo, o poeta humanista, descreve um fato real ocorrido em 25-Ago-12.

Fotografia: Jovem sem teto na Índia.
 
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AjAraujo
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Enviado por Tópico
Jmattos
Publicado: 22/09/2012 02:41  Atualizado: 22/09/2012 02:41
Usuário desde: 03/09/2012
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Mensagens: 18165
 Re: O quadro de cortiça
Boa Noite!

Belo texto, tema atual, triste demais!
O crack é terrível!
Bjos!
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