A bolsa de pedras
Essa é mais uma das histórias que presenciei no decorrer dos anos, como foram a de Vânia e de outros personagens da vida real, por mim retratados nos textos do meu blog e em vários sites.
Thiago nasceu na mesma época que Maria.
Viviam na mesma rua, do mesmo bairro, na Cidade do Rio de Janeiro.
Ambos tinham atestada esquizofrenia.
Ao longo dos anos a doença se apresentou. Diz-se por aí,( não sei se isso é verdade mesmo) que essa forma de doença mental precisa de um estopim, algo que desencadeie, como um grande choque na vida.
De qualquer forma, com ambos realmente foi preciso isso, para deixarem de parecer pessoas ditas "normais", e apresentarem o quadro de esquizofrenia.
Thiago era de estatura mediana, mulato de cabelos ondulados, bem apessoado. Maria era branquela, loira, descendia de italianos, uma mulher nem bonita nem feia.
Maria fez curso de instrumentadora cirúrgica, quando era moça. Trabalhou um tempinho em clínicas e hospitais, levando uma vida normal sem desconfiar da doença. Conheceu um senhor mais velho que ela, por quem se apaixonou e desse relacionamento nasceu sua única filha. Mas ele tinha família e sumiu da vida de Maria...
Já Thiago, era contador e trabalhava para várias firmas. Morava sozinho numa casa que seu avô lhe dera. Mas Thiago um dia casou-se com uma bonita mulher e teve um filho com ela. Tudo corria bem até que certo fim de tarde, ele chegou cedo em casa ( num horário que não era o de costume) pois sempre era lá pelas 19:00 horas, que retornava do centro do Rio.
Queria fazer uma surpresa para a esposa e levá-la para jantar fora com o filhinho. Mas ao chegar não a encontrou na cozinha, e um silêncio imperava na casa. Foi até o quarto do bebê e ele dormia tranquilo.
Ao abrir a porta do quarto de casal, deu com uma cena que daquele dia em diante, ficou em sua mente:
A esposa estava com um amante, na cama, que eles tantas vezes fizeram amor...
O choque profundo, bateu como um punhal em seu peito.
Dali foi desencadeada sua esquizofrenia, e a esposa foi embora levando o filhinho do casal.
Ele voltou a ficar só.
Ninguém lhe dava mais emprego. Com o passar dos meses a casa, antes bonita tornara-se feia e suja.
Ele em sua loucura, pichava as paredes de dentro e de fora. Espalhava lixo pelo quintal. Tinha crises em que jogava pedras nos vidros das janelas e quebrava as portas. Gritava dia e noite trechos da Bíblia, pois era evangélico, assim como Maria.
Esta, depois de ser deixada de lado pelo senhor com quem tinha tido uma filha, deixara seu emprego e vivia nua de um lado para outro das ruas do bairro. Seus parentes eram avisados e a levavam para casa. Mas ela acabou ficando agressiva demais, atacando os vizinhos com pedras e paus. Sob a pressão da vizinhança, a família de Maria, a internou em hospital psiquiátrico várias vezes durante os ano seguintes...
Thiago também era levado vez por outra para o sanatório, quando também começava a passar dos limites e atacar quem passasse perto de seu portão. Seu avô era chamado e se encarregava de interná-lo.
Tanto Maria como Thiago, quando controlados pelos remédios, passavam por pessoas 'normais'. Ninguém dizia que eram mentalmente doentes. Chegavam perto de mim e conversavam amenidades como uma novela que estivesse chamando a atenção do público, ou uma notícia do jornal.
Certa vez, falando comigo normalmente, Maria pegou um pedregulho na rua, e varou para me atacar dentro da minha lanchonete sem motivo algum. Escapei da pedra enorme por pouco, não estava na minha hora de partir desse mundo.
Thiago certa vez, vinha todo arrumado em um traje de passeio completo, com uma bolsa TIRA-COLO
( era assim chamada na época, não sei agora ) para comprar um sanduíche na lanchonete. Perguntei enquanto preparava o cheeseburger, se ele estava trabalhando novamente.
Thiago respondeu:
_ Estou sim D. Fátima, para a minha igreja, sou contador de lá agora.
_ Ah, que ótimo Thiago! Recomeçar a vida é sempre bom. Espero que dê tudo certo agora.
Ele deu um sorriso e respondeu de volta:
_ Eu também D. Fátima. Quero ver como meu filho cresceu. Não entendo porque a mãe dele, não traz o menino para que eu veja!
Eu apenas dei um olhar de compreensão e nada respondi. Mexer em feridas é muito ruim, ainda mais com quem a gente nem sabe se vai de um minuto para o outro, nos atacar...
Reparei que a bolsa dele estava muito cheia. Perguntei então:
_ Thiago, sua bolsa está tão pesada... é necessário mesmo, levar tantas coisas para o escritório da sua igreja?
Ele pegou a bolsa colocou em cima do balcão da lanchonete e disse abrindo-a:
_ É, vou tirar um pouco do peso...
Foi quando Thiago começou a tirar pedras de vários tamanhos da bolsa.
Não havia trabalho para ir, apenas delírio de uma mente insana.
Fátima Abreu