Poemas : 

Talvez

 
Perdido na maré vaza
Que me afoga nesta loucura
Procurei em teus olhos um farol
Na longa espera da minha maré viva
Que tarda em vir.
Na certeza que a Arca de Noé
Não é para nós os afogados,
Grito que reprimo
Dentro desta garganta seca e amotinada,
Que haverá de propagar toda a vulcânica raiva
Em lamacenta e escaldante lava,
Que ao arrefecer,
Ao arrefecer lentamente,
Irá despertar todos os monstros,
Mitos, credos e sereias.

Talvez, a noite esteja fria
E aquele errante par de namorados
Aqueça estonteante a madrugada do meu sonho.
Talvez, o comboio apite na estação
E desesperadamente o sinta partir
Fora do alcance da minha fuga.
Talvez, o desejo de em teu cálido rosto
Pousar o meu olhar de corvo triste
Seja a simples ambição
De conquistar o impossível.

Olha bem nos meus olhos,
Vê neles as fogueiras dos ciganos,
Escorraçados e perseguidos,
Banquete de algozes impotentes.
Nesta voz que vacila,
Nesta escrita sensual
Que arranha com prazer
A candura desta folha de papel,
Na timidez das minhas mãos,
Na dissimulação desta ofegante respiração,
Há uma raiva de dor,
Partilhada por todos os encurvados
Que ousam olhar o sol de frente.

Agora, as páginas dos livros
Que escrevi e amontoei
Nas areias desta praia,
Vão esvoaçar e bailar
Ao som de uma melodia
Tangida em cristalinas harpas
Pelos braços cintilantes das estrelas,
Enquanto pássaros de fogo
Vão gorjear as odes à tua beleza
Que escrevi estonteante,
Nas paredes da cidade.
Então ficarás imóvel,
Esquecida de ti,
Esquecida de mim.
Das nossas ausências despontam orquídeas
Na cornucópia do tempo.

Em pequenos tragos
Esqueço a volúpia do teu sorriso.
Através deste copo de cristal
Que nas mãos trémulas aqueço
Enxergo a penumbra do teu corpo
Através de um véu de pérolas de orvalho.
O veludo da tua ninfa
Abalroa a frigidez da minha virgindade,
Eu, augusto senhor do meu nariz
Desfaleço de tão inglória luta
Sobre o perfume do teu âmago.

Mas, quando do epicentro do teu sonho
Acordares,
Saberás que o cometa que eu sou
Já no firmamento me apaguei
Sem que o teu Sol incendiasse
A minha cabeleira, despenteada,
De marinheiro solitário.

Não me dês depois de morto
O que em vida não me quiseste dar.


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Sedov
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 19/09/2012 19:45  Atualizado: 19/09/2012 19:45
 Re: Talvez P/ Sedov
E talvez...só talvez, a tua escrita jamais me deixe indiferente...

Felisbela

Enviado por Tópico
Jmattos
Publicado: 19/09/2012 20:15  Atualizado: 19/09/2012 20:15
Usuário desde: 03/09/2012
Localidade:
Mensagens: 18165
 Re: Talvez
Boa Tarde!
Lindo demais seu poema!
Emociona-me com seus versos!
Parabéns, amigo!

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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 19/09/2012 21:18  Atualizado: 19/09/2012 21:18
 Re: Talvez
Lembrei-me ao ler-te

FREDERICO GARCIA LORCA, in SONETOS DEL AMOR OSCURO (1936), in SONETOS DEL AMOR OSCURO - DIVÁN DEL TAMARIT (Lumen, Espanha, 2010)

[AY VOZ SECRETA DEL AMOR OSCURO]

Ay voz secreta del amor oscuro
¡ay balido sin lanas! ¡ay herida!
¡ay aguja de hiel, camelia hundida!
¡ay corriente sin mar, ciudad sin muro!

¡Ay noche inmensa de perfil seguro,
montaña celestial de angustia erguida!
¡ay perro en corazón, voz perseguida!
¡silencio sin confín, lirio maduro!

Huye de mí, caliente voz de hielo,
no me quieras perder en la maleza
donde sin fruto gimen carne y cielo.

Deja el duro marfil de mi cabeza,
apiádate de mí, ¡rompe mi duelo!
¡que soy amor, que soy naturaleza!

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 19/09/2012 21:25  Atualizado: 19/09/2012 21:25
 Re: Talvez
Palavras linda que forma essa metáfora, lindo poema, parabéns pelo fito

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 19/09/2012 21:27  Atualizado: 19/09/2012 21:27
 Re: Talvez
Palavras linda que forma essa metáfora, lindo poema, parabéns pelo feito

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 19/09/2012 21:30  Atualizado: 19/09/2012 21:30
 Re: Talvez
É mesmo assim poeta, entre o sim e o não existe uma certeza, a de um talvez...
Um poema denotando uma tristeza e dor imensa.
Gostei
Abraços
Luzia