Perdido na maré vaza
Que me afoga nesta loucura
Procurei em teus olhos um farol
Na longa espera da minha maré viva
Que tarda em vir.
Na certeza que a Arca de Noé
Não é para nós os afogados,
Grito que reprimo
Dentro desta garganta seca e amotinada,
Que haverá de propagar toda a vulcânica raiva
Em lamacenta e escaldante lava,
Que ao arrefecer,
Ao arrefecer lentamente,
Irá despertar todos os monstros,
Mitos, credos e sereias.
Talvez, a noite esteja fria
E aquele errante par de namorados
Aqueça estonteante a madrugada do meu sonho.
Talvez, o comboio apite na estação
E desesperadamente o sinta partir
Fora do alcance da minha fuga.
Talvez, o desejo de em teu cálido rosto
Pousar o meu olhar de corvo triste
Seja a simples ambição
De conquistar o impossível.
Olha bem nos meus olhos,
Vê neles as fogueiras dos ciganos,
Escorraçados e perseguidos,
Banquete de algozes impotentes.
Nesta voz que vacila,
Nesta escrita sensual
Que arranha com prazer
A candura desta folha de papel,
Na timidez das minhas mãos,
Na dissimulação desta ofegante respiração,
Há uma raiva de dor,
Partilhada por todos os encurvados
Que ousam olhar o sol de frente.
Agora, as páginas dos livros
Que escrevi e amontoei
Nas areias desta praia,
Vão esvoaçar e bailar
Ao som de uma melodia
Tangida em cristalinas harpas
Pelos braços cintilantes das estrelas,
Enquanto pássaros de fogo
Vão gorjear as odes à tua beleza
Que escrevi estonteante,
Nas paredes da cidade.
Então ficarás imóvel,
Esquecida de ti,
Esquecida de mim.
Das nossas ausências despontam orquídeas
Na cornucópia do tempo.
Em pequenos tragos
Esqueço a volúpia do teu sorriso.
Através deste copo de cristal
Que nas mãos trémulas aqueço
Enxergo a penumbra do teu corpo
Através de um véu de pérolas de orvalho.
O veludo da tua ninfa
Abalroa a frigidez da minha virgindade,
Eu, augusto senhor do meu nariz
Desfaleço de tão inglória luta
Sobre o perfume do teu âmago.
Mas, quando do epicentro do teu sonho
Acordares,
Saberás que o cometa que eu sou
Já no firmamento me apaguei
Sem que o teu Sol incendiasse
A minha cabeleira, despenteada,
De marinheiro solitário.
Não me dês depois de morto
O que em vida não me quiseste dar.