O menino de cotovelos espetados sobre a mesa,
Silencioso e ímpio louva-a-deus
De braços em celestial prece.
Dedos sobre os lábios pungentes,
Simulando ser o tocador da gaita do amolador
De tesouras, facas e capador de gatos,
Que nesse instante passa na rua
Num arrasto de morte.
O corpo a dançar ao som das vozes
Que deambulam pela taberna,
Espíritos numa gruta de desilusão,
Falperra que se enche ao fim da tarde
Com o recolher dos operários,
Momentos antes imergidos
Numa torrente de vida alucinada.
O som das sirenes das fábricas,
Determina-lhes o pêndulo da vida,
Formigas sem formigueiro nem rainha,
Formigas sem asas nem carreiro.
Menino já homem numa pose desprendida,
Olha e vive a jogatina
Dos homens obtusos,
Galinhas de vistas curtas,
Repenicam cartas de um baralho
Seboso de vícios ao centro da mesa.
Sente na face o ar empestado em vinho e tabaco,
Bruscamente deslocado pelas cartas
Que sobre a mesa são lançadas.
Embala os seus sonhos nesse voo,
E apreende as jogadas,
Os sinais secretos, a simulação
E acima de tudo, a arte de desenhar cruzes e bolas,
Reflexo de vitórias e derrotas
Sobre um pedaço de papel pardo.
Aprende a queimar tempo,
A negar a imaginação,
Aprende a jogar a vida
Num tempo que se esgota
Entre um ás de espadas e uma dama de copas.