Eu não tenho terra.
A minha cidade não é uma terra.
A minha cidade podia ser a minha terra.
Mas quando regresso a ela
Não tenho onde regressar.
Falam-me em regressar às raízes.
Na minha cidade até as raízes dão folhas
Nos cotos dos plantámos chacinados
Nos jardins públicos.
Não sei da sensação de um dia voltar às raízes,
Cresci na urbanidade, entre o espaço livre
Das pedras da calçada portuguesa,
Naquele espaço livre em que se vão depositando
As beatas dos cigarros fumados até à exasperação.
A minha cidade não pode ser a minha terra.
Embora já tenha provado o sabor da terra.
Brinquei como outros meninos que como eu não têm terra,
Provei do chão a côdea do pão envolto na terra,
Corri atrás de galinhas – doidas varridas
Flausinas a bambolear as coxas -
Onde depenicavam as ervas numa praceta de estacionamento.
Eu não tenho terra,
Não sei o que é saltar pelos campos,
Sentir o paladar do leite acabado de mugir.
Mas sei do sabor do ranço dos carapaus fritos
Da taberna do carvoeiro.
A minha cidade não tem o som da terra,
O chiar choramingas das rodas dos carros de bois,
A voz do avô Rambóia a conduzir
Majestático do cimo da bebedeira
os animais pachorrentos: - “OH! OH!”
Se a minha cidade fosse a minha terra,
Seria uma terra muda.