Poemas : 

Faltaste ao último cigarro [Parte 2]

 
[II]

Declamei no segredo do Largo do Carmo
A solidão da minha poesia
E no final, senti as angústias do Poço dos Negros,
Ao tanger com o chicote da palavra
A ousadia de me inventar poeta.
Das paredes do Teatro D. Maria
Gritos e súplicas dos condenados
Em santas inquisições
Lançados às fogueiras da mediocridade medieval,
A crepitar no fogo,
Numa pilha de madeira das naus das más descobertas.
Dirigiram-me uma gélida pergunta
Num sussurro de criança assustada,
Queriam saber se as fontes secas do Rossio
Eram as fontes da eterna juventude.
Em alegre algazarra,
Dançámos no Largo de S. Domingos
E entrámos pela ginjinha,
Bebemos pequenos copos
Da espirituosa bebida
Com elas, e com eles também,
(Porque nestas coisas do amor
O que importa são os afectos).
Soprámos os caroços
Com os lábios em forma de bico
Na direcção dos cus dos gatos pretos
Das bruxas da rua do Crucifixo.
A confusão foi tamanha,
Chisparam cruzes e canhotos,
Te renego e mal olhados,
A polícia em estado de sitio
Acorreu em passos de ballet
(como só eles sabem dançar
Em crescendo nas pontas da arrogância),
Montou o Coliseu romano
Entre viseiras e cassetetes
Encerrou as Portas de Santo Antão.

Invertemos o sentido da nossa marcha
E desaguámos a nossa torrente de esperança
No centro da Praça da Figueira.
Percorri a rua da Prata
A catar as pedras da calçada.
No Terreiro do Paço, junto ao Tejo
Desci trôpego,
Os degraus desta obscura viagem,
E terminei num abismo de suicídio
Com um travo a Gin estagnado
A exalar-se-me da boca.
Do despertar da imaginação
Em que voguei nos últimos dias
Encontro-me em colapso com a vida.
Um imenso estrondo ao espremer os sonhos
Como se estes fossem insectos voadores,
Esmago a quitina que os envolve na ponta dos meus dedos.
Foi então que compreendi,
Eu soldado da paz a embarcar para a guerra,
Que ias faltar ao último abraço
Como quem falta há última dança.


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A segunda parte de um texto em três partes
 
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Sedov
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 16/09/2012 17:10  Atualizado: 16/09/2012 17:10
 Re: Faltaste ao último cigarro [Parte 2]
[Ao ler a tua poesia recordei este poema de um poeta pouco divulgado


aqui to deixo, fez-me companhia algumas vezes......

FERNANDO ASSIS PACHECO, in A MUSA IRREGULAR (Ed. Asa, Porto, 1997)

Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
- tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me importa?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.