Poemas : 

Faltaste ao último cigarro [Parte 1]

 
[I]

Não teve conta as vezes,
Que na minha frente este copo poisou,
Num desafio ao esvoaçar das pombas,
Ratazanas de uma nova urbanidade,
Alimentadas a confeitos
Por pais de máquina em riste,
Empedernidos ao sacrifico dos filhos
Em poses de estátuas para uma fotografia,
Que demora, nas artes artísticas
Dos orgulhosos patriarcas.
A cidade não muda
No vagar dos reformados
Que disputam entre si a posse de um banco de jardim,
São carpas em turbilhão à volta de uma côdea de pão
Lançada na solidão das águas represadas.
Um eléctrico subiu ronceiro
A Calçada do Combro,
E eu sentado há mesa do café,
Para lá da penumbra,
Na contraluz da minha ausência,
Bebi todas as interrogações
Nos olhos negros e tristes
Que com os meus se cruzaram
Na tarde vadia que esmorecia
Pelas Ruas do Bairro Alto.
Na falta de pevides para descascar,
Fui possuído por uma vontade
De rasgar tudo o que escrevi.
Fiquei a filosofar
Para os grãos de açúcar,
Que paulatinamente se misturavam
Num melaço acastanhado
No fundo da chávena,
Enquanto ía decapando em escamas
A tinta que cobria o tampo da mesa,
Expondo ao cio dos átomos de oxigénio
O metal da sua essência.

E assim, fiquei até muito tarde,
Tão tarde que o sol estranhou a minha ausência
No Largo de Camões
E entrou de rompante, de fraque dourado,
(A cor com que seduz a noite),
Pela sala vazia deste café.
Foi então que percebi,
Neste bucólico quadro de natureza morta,
Que ias faltar ao último cigarro
Como quem falta à última dança.


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Um texto em três partes
 
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Sedov
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