[pergunto-me]
Porque tem a poesia, por vezes, palavras tão difíceis de entender?
Será que os poetas as sentem,
Ou simplesmente as procuram em incógnitos dicionários de sinónimos?
As palavras, diz o povo, são como as cerejas,
Eu nunca senti em mim florescer qualquer flor
Nos meus lábios
Uso a palavra pelo prazer de a sentir
Sai de mim em voo na direcção das altas montanhas.
Tenho em mim as palavras das mulheres e dos homens da rua,
Palavras simples
Escondem as metáforas nos seus olhos vazios
Nas cavernas das rugas das suas faces.
[Ingénuo]
Pensei voar ao teu redor num tapete das mil e uma noites
Queria fazer despontar em ti uma flor
Por isso, quando olho as cerejeiras em flor
As invejo
As minhas palavras não foram um mar
Mas um poço - sem eco
Sem luz -
Sem a água das palavras
De que minas, de que campos, de que casas vêm as palavras dos pobres?
O poema antes de ser poema
É uma pedra de palavras.
No âmago da pedra já se encontra a essência do poema,
O poeta - um escultor de palavras -
Sente a angústia do cinzel e do martelo
Na descoberta do poema escondido.
[E retalhada a pedra o pó entra-lhe nas narinas]
O poema antes de ser poema
Congrega palavras num novelo de grãos de pólen dentro de um almofariz
Ansiosos por fecundarem os estames da poesia.
[Aparentemente o poema parece ser algo de simples – e é simples -
Então porque são as palavras complicadas?]
Eu sou um simples burilador de poemas,
Procuro em cada palavra o sentimento,
O cheiro, a cor,
E o som.
Gostava de me sentir dentro da poesia,
Numa caixa de vitral multicolor
[Desdobro os cantares alentejanos na taberna do carvoeiro – galego - fugido da guerra de Espanha]
Vou às raízes da minha rua,
Embalo-me no som das sirenes das fábricas do bairro onde cresci,
Em cada janela há um postal ilustrado
Há uma musica que me chega de tudo o que é buraco nessa rua,
Das bocas-de-fogo,
Das sargetas,
Das dos botões de campainha inexistentes.
Há o som de um piano por trás de uma cortina numa janela fechada.
[Foice]
Das planícies do trigo e das papoilas,
Mulheres, homens, crianças
Vieram vestidos de negro - O Tejo o seu mar
Das tormentas - capote de pastor,
Chapéu de maltes a sombrear os olhos
Tez casca de sobreiro
Pousaram como andorinhas tristes
Na quinta da Porcalhota
Onde patos bravos emprenharam a terra
De edifícios frios
Violadores da estética
E apedrejaram os pássaros dos campos de trigo
Que os emigrantes traziam no peito.
É aqui que encontro sons
A linha recta das palavras.
Por vezes, confesso, as palavras nem existem.
Só existe um som, uma cor, um sentimento
E ficam letras em forma de notas musicais na folha de papel,
Depois andam dias e dias a burilar
Em ricochete na minha cabeça
Até que um dia
(há sempre um dia, nem que seja para desistir)
Encontro a palavra que transporta em si o som desejado.
E assim nasce aquilo que ouso chamar de poema.
Paro de escrever!
[Agora pergunto a ti, poetisa, que deixaste de escrever]
Porque matas a poesia que há em ti?
Como consegues respirar sem o ar das palavras?
[Uma dúvida]
A liberdade é uma bandeira sem palavras?
[Ponto final]
Não faz sentido aqui o parágrafo